O premiado filme argentino “O cidadão ilustre” estreou nos cinemas do Brasil no mês passado. Dirigido por Gastón Duprat e Mariano Cohn, e escrito por Andrés Duprat, o filme mostra por que o cinema argentino continua sendo um dos melhores do mundo. Nota-se no cartaz os inúmeros prêmios que o mesmo já recebeu. Um filme que não deixa o bom humor de lado, mas acerta também sua crítica contra a sociedade.
A história conta a vida do escritor Daniel Mantovani (Oscar Martínez) que recebe o prêmio Nobel de Literatura, mas que toma isso como um atestado de sua decadência. Dentre tantos convites e prêmios que receberia depois, um se sobressai: de ser cidadão ilustre de sua cidade natal.
De alguma maneira, tudo no plot inicial é bem clichê. Desde que a ficção existe, o retorno à casa é tema recorrente. Aqui não é diferente, depois de quarenta anos vivendo na Europa, o escritor premiado resolve encarar sua cidade pequena onde nasceu. Com uma estética ridícula de viagens e uma congruente do povoado de Salas do protagonista, o espectador entra não só numa espécie de cidade perdida no tempo, mas da comicidade de uma cultura interiorana. Tudo é levado com muito bom humor a princípio, fato que custa ao escritor ranzinza realizar, no entanto é claro, o embate de alta e baixa cultura em seu interior.
A iluminação é bem feita, principalmente nos ambientes noturnos, onde parece que há uma mão mais solta para criar. Há movimentos de câmeras interessantíssimos ao redor do protagonista. E o figurino não deixa nada a escapar do embate Europa x América do Sul. Cada personagem é uma espécie de arquétipo da cidade. Como no Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente, cada pecado ou fraquezas humanas se personificam na comunidade de Salas de maneira curta por vezes, mas dando o contexto necessário para entender a atmosfera.
Dentro desta trama que procura trazer Daniel Mantovani à sua cidade natal, há uma espécie de busca por humildade que fraqueja por muitas vezes. Ele, afinal, representa o máximo da literatura, da criatividade, da arte humana e aquele povoado é para ele uma tribo isolada da cultura. Por certo, outras tantas vezes desce de seu cavalo e consegue dialogar, mas principalmente ser humano. Falta-lhe a empatia necessária para tocar as pessoas e é disso que o filme trata em suas tantas camadas: como a cultura nos isola e como nos torna inumanos.
No entanto, o que o filme procura mostrar também, como poucas vezes feito e pouquíssimas ainda mais bem feito no cinema, é a trajetória do autor. Primeiro, com sua decadência, seu assumir de que tudo o que escreve se tornou algo confortável ao mundo, quando o papel do artista é simplesmente o de fazê-lo tremer e reinterpretá-lo. Como Mantovani diz, seus personagens nunca saíram de Salas e ele nunca retornou. Era a hora de tal reencontro com sua fonte para criar novamente, mas principalmente encarar o destino de cada autor: o tema da morte.
De modo direto e sucinto, o filme também mostra o que é ser um leitor, mas principalmente o que é ser um bom leitor. Diversas vezes o escritor é acusado de trair sua cidade por falar mal de seus cidadãos, quando claramente é possível ver que tais leitores não distinguem realidade de ficção. São como aqueles que brigam com atores de novela na rua, pensando ser os próprios personagens. Não deixa de ser uma espécie de analfabetismo funcional. No entanto, não se restringe aos cidadãos da pequena vila, mas também à própria mídia que instiga tal visão na massa, não vendo a obra como obra, mas uma extensão do autor.
Por Paulo Abe
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