Além de uma lenda viva de Hollywood no campo da atuação, Clinton Eastwood também se tornou um dos mais importantes diretores da indústria norte americana de cinema. O lançamento de um filme dirigido por ele tem o mesmo peso que um de Steven Spielberg ou mesmo de Woody Allen antes de toda a polêmica envolvendo sua vida particular. Claro que, assim como seus colegas, Eastwood acerta e erra, já que se arrisca em diferentes temas. No seu novo trabalho “A Mula” pode-se dizer que ele constrói uma história interessante, mas escorrega em alguns conceitos um tanto maniqueístas para tratar da nova geração e das novas demandas mundiais que, claramente, não compreendem.
Antes de discorrer sobre os seus defeitos, é preciso destacar a precisão do roteirista Nick Schenk ao tratar de família e arrependimento em uma trama com premissa policial. O roteiro, Baseado em um artigo do The New York Times chamado “The Sinaloa Cartel’s 90-Year-Old Drug Mule” de Leo Sharp, conta como um veterano de guerra (o próprio Sharp) foi encarregado de transportar drogas entre estados para o cartel mexicano. No filme, o personagem Earl Stone (Clint Eastwood), vê seu negócio como produtor de lírios falir e precisa de uma nova forma de sustento.
Rejeitado pela filha (Alison Eastwood) e pela ex-esposa (Dianne Wiest) por causa de sua ausência e falta de comprometimento, Stone fica sem rumo, até conhecer por acaso um membro do narcotráfico que lhe oferece o trabalho. Como gosta de viajar de carro e pelo fato de nunca ter recebido nenhuma multa de transito, ganha a simpatia dos membros do cartel, principalmente do chefão Laton (Andy García). Seu cuidado na direção faz com que se torne o principal motorista do grupo criminoso, ganhando até um apelido carinhoso: “Tata”. Numa mistura de road movie e drama familiar, “A Mula” é construído de forma acadêmica e naturalista, sem que haja nenhum movimento de câmera fora do lugar. Com muitos planos e contra planos, o diretor Eastwood exercita sua linguagem clássica, bem vinda à história que pretende contar.
Clássica, para não dizer outra coisa, também é a visão de mundo de Stone. Evidentemente se trata de um idoso de 90 anos, que continua seguindo os costumes de sua época, mas Eastwood usa da “ingenuidade” do protagonista em proferir ofensas racistas contra negros e imigrantes para talvez externar suas próprias convicções. Depois do seu patriótico filme “Sniper Americano” ficou evidente a preferência ao modelo republicano do cineasta. Todos os mexicanos do filme são imigrantes ilegais ou bandidos sanguinários. Mesmo a língua espanhola é maltratada nas tentativas de Stone em conversar com seus novos companheiros, quando mistura palavras em italiano com uma versão porca do espanhol. Alguns dirão que se trata de uma autocrítica que mostra a imbecilidade do povo americano, mas outras interpretações são igualmente válidas. A geração viciada em celular é outra que Eastwood teima em pegar no pé. Segundo ele, a ignorância dos jovens da atualidade é porque não se tira mais os olhos da tela desses aparelhos eletrônicos. Sim, ele está certo em muitos aspectos, no entanto, os estereótipos criados para afirmar sua tese são infelizes. Um exemplo é quando ele encontra um casal no meio da estrada com problemas no carro. Enquanto a mulher segura um bebê, o homem procura no Google como trocar um pneu. Um detalhe: se trata de um casal de negros.Em contrapartida, a sensibilidade do longa é tocante quando o foco passa a ser a relação difícil que Stone tem com sua família. Como em uma história de aprendizagem, ele precisará superar as expectativas e se provar digno do amor da ex-mulher, da filha e da neta (Taissa Farmiga). São momentos de real comoção em que Eastwood traça um paralelo entre seus amados e belos lírios, e toda a atenção que dá a eles, com o total descaso que cometeu com seus entes de sangue. A beleza das flores é colocada em contraposição à feiura de sua solitária vida. Tanto que o diretor, por várias vezes, corta de uma cena de conflito humano para a silenciosa e colorida plantação dos lírios.
Entre altos e baixos, o longa segue sem muito alarde e será logo esquecido, mesmo com alguns méritos em sua proposta. Para não deixar de fora, há ainda a participação de Bradley Cooper, Michael Peña e Laurence Fishburne como agentes do DEA que tentam prender os traficantes. Não receberam destaque durante todo o texto porque possuem papéis tão clichês e sem importância que não valia a menção antecipada.
Fotos e Vídeo: Divulgação/Warner Bros. Pictures
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