A arte como agente de resistência e luta, um parâmetro entre
o que foi história e o que vivemos hoje
No Brasil não houve uma tradução para o filme “Afterimage”, que acabou chegando ao circuito nacional com o título vindo do inglês, pois o original em polonês seria “Powidoki”. Em tradução livre para o português chega-se ao termo “pós-imagem”, que é explicada pela “Teoria da visão” de Wladylsaw Strzeminski. Quando olhamos para um objeto, seja ele qual for, gravamos em nossa retina o seu reflexo, e ao olhar em seguida em outra direção, uma “pós-imagem” permanece em nossa retina, como um traço do mesmo objeto mas com cores opostas. Exemplo este dado pelo próprio Strzeminski durante a primeira cena do filme, quando conhecemos a capacidade com as palavras e a forma abstrata de pensar a arte.
Wladyslaw Strzeminski foi um dos mais importantes artistas contemporâneos da Polônia e por consequência da Europa, sobreviveu o máximo que pode ao período de implementação ideológica posta pelo Partido Comunista. A palavra “sobreviveu” é devidamente colocada em relação ao processo direto de enfrentamento pelo qual Strzeminski travou com o sistema político da época, e que aos poucos moldava as pessoas, as instituições e a cultura de uma nação. Foi quando este molde atacou todo o contexto artístico, com uma nova proposta do Ministério da Cultura de prevalecer uma ideologia da arte realista, colocando sobre as futuras obras apenas o que era considerado o “certo” pelo Partido. Deixando para trás todo o espectro teórico das obras de personalidade como Strzeminski. Um novo conceito visual nas pinturas deveria ser abordado, com o argumento de que um povo precisava ter representado em cada obra os valores do progresso.
Este é o contexto recortado por Andrzej Wajda para representar um pouco da vida e luta de Wladyslaw no período escolhido pelo diretor de 1948 até 1952, além da ótima escolha de Boguslaw Linda para interpretá-lo. Já que qualquer filme independentemente de seu assunto, duração ou gênero, depende de uma narrativa que encaixa naquele tempo de tela e que consiga transmitir ao espectador a mensagem desejada. Inclusive nas filmagens de biografias estes aspectos muitas vezes fogem de um entendimento natural dos acontecimentos por uma escolha de direção ou pela própria estrutura do roteiro, mas no caso de “Afterimage” a escolha por poucas locações e o já mencionado recorte temporal da história original e real da vida de Strzeminski, os cerca de 95 minutos de duração são em sua maioria bem alojados no plano geral. Com divisas narrativas bem claras, especificamente quando a montagem usa do fade-out para demarcar os prosseguimentos.
O desgaste físico e mental do personagem é gradativamente afetado ao mesmo tempo em que as divergências entre Strzeminski e aqueles que querem uma nova nação, de acordo com aquilo que acreditam e desejam perpetuar para seu país é posta em conflito. Desde ter a licença de artista inválida e ser demitido como professor, a posição final como indivíduo idealista que por nada abandona seu ponto de vista é colocada a prova. Na trama, a relação entre Strzeminski e sua filha Nika (Bronislawa Zamachowska) funciona como uma ação de ruptura entre o seu íntimo de artista e o lado dos relacionamentos afetivos. É muito interessante como a relação entre ambos é representada na tela, pois Nika é uma menina determinada e preocupada com a situação do pai, ao mesmo tempo em que ele parece muito menos se importar com isso na presença dela. Muitas das interações são feitas como o pai sentado no chão pintando algum quadro, enquanto a filha sempre em pé realizando tarefas ou tentando interagir, dando a impressão de que ela é a adulta.
Esta foi a última produção filmada por Andrzej Wajda, ele faleceu em 2016 aos 90 anos de idade. Wajda foi um dos diretores mais importantes da história da Polônia, sempre retratando questões políticas e que servissem de legado para toda a arte cinematográfica da Europa. Em 2000 ele recebeu o Oscar Honorário da Academia pelas suas realizações ao cinema e logo após fez a doação da estatueta para o Museu da Universidade Jaguelônica na Cracóvia. Assim como Wladyslaw Strzeminski, Wajda deixa um legado que transcende o tempo e que reflete até hoje nos conflitos pelo mundo, como no próprio “Afterimage” abordando as relações de poder entre aqueles que possuem o controle do sistema frente aqueles que lutam por direitos.
Por Guilherme Santos
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