“And just like that…” NÃO é “Sex and The City”
Atenção: essa é uma crítica com spoilers
Sex and the City estreou em 1998. Retratando uma Nova York rica e efervescente, apresentou a vida de quatro amigas na casa dos 30 anos. Independência, protagonismo e liberdade sexual foram grandes temas que geraram discussões e impacto na vida de pessoas no mundo todo. Comportamentos algo chocantes para a época, mas que anteciparam o que hoje é normal para mulheres vivendo sozinhas, solteiras e trabalhando em grandes cidades. Presente na cultura pop, os sapatos de Carrie Bradshaw foram parar até mesmo nas artes visuais. Veja a imagem no perfil do Instagram de Maura Culbert:
Drama e maturidade
Em seu reboot na HBO max, lançado em 9 de dezembro de 2021, já ambientado no período com menos restrições e vacinação de boa parte da população, a narrativa traz de volta Carrie, Miranda e Charlotte. Samantha não está presente, pelo fato bem conhecido de que a atriz que a interpretava teve problemas pessoais com Sarah Jessica Parker. Uma perda inestimável para o tipo de humor sarcástico e sincero que trouxe parte do sucesso à obra.
A maturidade trouxe estabilidade para as três amigas no âmbito romântico – e até certa monotonia, como veremos –; elas permanecem casadas. As angústias e desesperos da juventude parecem ter dado lugar a alguma segurança. Porém, ainda vivem desafios e rotinas movimentadas: a criação dos filhos, mudanças na carreira e novas formações acadêmicas.
O primeiro episódio é sofrível. Explicações excessivas que subestimam o espectador e uma constrangedora culpa branca. A sociedade hoje tem uma visão diferente de 20 anos atrás, o que é natural. Por isso, anos recentes trouxeram muitas críticas a Sex and the city, por ser uma série de mulheres brancas e privilegiadas que viviam quase alienadas da realidade. Para responder a isso, num esforço apressado (para não dizer desastrado) de se mostrar atual, And just like that mistura diversas pautas de uma só vez, quase como um pedido de desculpas. Essa culpa branca se reflete especialmente no desespero de Miranda em se autoproclamar antirracista, passando por diversas situações constrangedoras (ou cringe, como dizem os estadunidenses). Apesar dos erros, se você faz parte da geração que acompanha Carrie e suas amigas há 23 anos, provavelmente chorou ao final do episódio por conta do outrora confuso e imaturo Mr. Big, o sempre carismático John. É possível notar que não apenas as personagens ganharam maturidade, mas a forma de mostrar a história acompanhou. Não apenas Carrie, mas até a cidade parece menos turbulenta: agora vemos uma Nova York menos abarrotada de gente, mais clean. E na sequência derradeira, ou “That Big Moment”, em que Big sofre o ataque cardíaco sozinho em casa, intercala-se com Carrie brincando com sua aliança enquanto prestigia a filha de Charlotte, no The Manhattan School of Music, tocando uma sonata de Beethoven ao piano. Não que esse tipo de sequência seja realmente original, mas há uma clara tentativa de trazer alguma profundidade e poesia, o que é bem-vindo.
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Aqui vemos um ponto de virada no gênero: Sex and the city e seus filmes foram produções leves, de comédia. Mesmo nos momentos mais pesados de Samantha enfrentando um câncer, a narrativa nunca trouxe tanto drama. Podemos dizer, a princípio, que And just like that é uma dramédia. Obviamente a morte de Big será o motor propulsor para as mudanças na vida de Carrie, a começar pela descoberta de que Big deixou uma parte da herança para a ex-esposa, Natasha. Em suas próprias palavras, “Big is gone and Natasha is back” (Big se foi e Natasha voltou).
Além da diversidade racial, devemos esperar uma nova abordagem da sexualidade. Se nos anos 90 a liberdade sexual feminina era um dos grandes motes da série, não por acaso presente no título, agora a discussão parece apontar para a diversidade sexual, não somente plural, mas possivelmente fluida, como no caso de Miranda, que deve se envolver uma pessoa não binária. O que não representaria grandes novidades, pois a icônica Samantha teve um relacionamento homoafetivo com a artista Maria (interpretada pela talentosíssima brasileira Sônia Braga), ainda na quarta temporada de Sex and the City (2001).
Outro fato irritante é que as personagens repetem insistentemente suas idades e o fato de “estarem velhas”. O reboot passa a ideia de que envelhecer é algo muito pesado, a começar pelo fato de que é o período em que começamos a perder pessoas queridas para a morte. O tema do envelhecimento é tratado com humor na série Grace and Frankie, e de maneira muito mais apropriada, já que as personagens estão na casa dos 70 e não nos 50 anos. O fato de que Miranda prefere usar os cabelos grisalhos, sem vergonha ou falta de vaidade, teria mais força se não fossemos lembrados a todo instante, através de diálogos pobres, que as mulheres envelheceram. Amizade entre mulheres ainda é o tema central.
Mesmo com tantos equívocos, vale a pena assistir à série, principalmente se você for um fã de Sex and the City. (Vamos colocar os filmes de lado.) O trailer oficial da HBO Max começa com Carrie dizendo “quanto mais eu vivo, mais eu descubro que se você tem os amigos certos por perto, qualquer coisa é possível.”, uma escolha certeira para divulgar o novo capítulo da vida dessas mulheres.
Mesmo em sua ausência, Samantha envia belíssimas flores brancas para ornar o caixão do velório de Big, se fazendo presente, apesar de tudo. Após a morte de Big, as amigas passam a se revezar para fazer companhia a Carrie. Numa cena sensível (que poderia ter sido prolongada), vemos Miranda ocupando o lado da cama onde o marido da amiga costumava dormir. A mensagem é clara: não importa quantas mudanças aconteçam ou quanto tempo passe: sua amiga sempre estará ali.
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