Em “Armageddon Time”, o aclamado cineasta James Gray constrói uma história com contornos autobiográficos. O recorte de duas horas mostra a vida de uma família de descendentes de judeus em uma Nova Iorque oitentista. O destaque desta família é o jovem Paul (interpretado por um inspirado Banks Repeta), que gosta de desenhar e parece estar sempre fora da sintonia em relação aos seus pais e ao seu irmão mais velho. O único que parece entender Paul é o avô Aaron Rabinowitz (Antony Hopkins em mais uma demonstração de grandeza), e é da interação entre os dois que saem os melhores momentos do filme. A experiência e a sabedoria do velho Rabinowitz moldam o caráter do neto, e isso é importante para que o jovem consiga, mesmo com pouca idade, refletir sobre os problemas impostos pela vida e a tomar um caminho social mais progressista.
Há elementos políticos no roteiro que servem para que essa consciência social seja melhor trabalhada, como quando Paul vai para uma escola particular que é patrocinada pela família Trump. Ali, o garoto que quer ser artista precisa treinar para ser CEO ou político. Paul então tenta fugir daquele local cometendo pequenos crimes junto de seu amigo Johnny Davis (Jaylin Webb), um garoto negro que é excluído da sociedade, principalmente depois que fica órfão. Paul, na verdade, parece não pertencer nem mesmo à realidade de sua família, que está enterrada no capitalismo americano. Enquanto seu pai (Jeremy Strong) e sua mãe (Anne Hathaway) trabalham intensamente e pensam em comprar uma casa, ele sonha em ficar famoso por meio de sua arte. O afastamento do personagem em relação ao ambiente e às pessoas fica evidente quando ele sai em meio a um discurso de um dos Trump e dá as costas para a escola. Neste mesmo momento, a montagem insere cenas de sua casa e da própria escola. Nelas, a câmera de Gray recua em travelling nos cômodos e nos corredores, como se mesmo ela quisesse se afastar de tudo aquilo.
Além desses travellings, são raros os movimentos de câmera em “Armageddon Time”. Então vale destacar o zoom in usado por Gray quando seu protagonista fala com policiais, com uma conselheira da escola ou quando está prestes a levar uma surra do pai. Um artifício evidente para ampliar a emoção em situações importantes da história. No restante do tempo, no entanto, a montagem prefere cortes suaves entre uma cena e outra, talvez para pontuar a monotonia cotidiana daqueles personagens. As cores usadas pela fotografia, pelo figurino e pelo design de produção são outras aliadas do monótono com seus tons de cinza, preto e bege. É perceptível, com isso, a elegância e a simplicidade artística de Gray na confecção de sua obra. Simples também é a história que ele conta, uma que quase não é contada por uma Hollywood que está mais acostumada a temas grandiloquentes. Portanto, o cineasta nova iorquino lembra que o cinema é, acima de tudo, a arte humana que mais aproxima as pessoas da realidade.
“Armageddon Time” faz parte da programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.