Linn da Quebrada é a protagonista de “Bixa Travesty”, mas a obra não gira totalmente em torno dela. É bem verdade que a artista é quem possui maior tempo de tela e que recebe a grande atenção durante a projeção, mas a escolha por retratá-la acaba colocando-a como representante de uma série de indivíduos marginalizados não só durante a história como ainda hoje. Linn aqui representa ela mesma e representa também as camadas negras, periféricas e trans. Sua figura, construída durante todo “Bixa Travesty” é colocada como contraponto ao statos quo, contra o que é imposto enquanto cultura hegemônica.
O documentário segue Linn nos palcos, em apresentações bastante performáticas e teatrais enquanto também mostra momentos mais íntimos e pessoais dela. Há uma cena com sua mãe, por exemplo, assim como cenas em que conversa com suas amizades e com outras figuras também marginalizadas pela sociedade. A fórmula adotada acaba dando um contraste interessante entre Linn da Quebrada como artística e enquanto indivíduo, mostrando as duas facetas de uma mesma pessoa e revelando que não existe antítese entre ambas. Na realidade, Linn possui atuação artística que extrapola tudo aquilo que ela pensa em seu íntimo, tudo aquilo que carrega enquanto vivência, mas colocando de modo mais explosivo, ácido e performático. Assim, a opção dos realizadores é a de não mostrar ruptura entre os dois contextos que observamos, o que também se fortalece via algumas falas narradas da protagonista.
Nesse sentido, “Bixa Travesty” assume sua força logo no discurso que carrega e nas discussões que promove, optando por abarcar variadas temáticas dentro de seu roteiro. Não é só o tema LGBT que está presente, a religião e sua relação com a miséria é um ponto que ocasionalmente aparece aqui e que promove uma maior abertura de assuntos para o filme. Em termos de linguagem audiovisual, a simplicidade e o minimalismo é o adotado, fazendo o possível para que as discussões já mencionadas potencializem da forma que for possível. O impacto é bastante grande até se pensarmos que o filme tem duração pouco maior que uma hora, sendo conciso e objetivo dentro daquilo que quer trazer para o público. Assim, não há grandes sequências mirabolantes e nem nada semelhante, já que o direcionamento é todo feito com base no roteiro, no texto, e isso é muito bem executado.
Num dos países que mais mata a população LGBT no mundo, a existência de um filme como “Bixa Travesty” se faz importantíssimo. Dá cara para parte de uma sociedade que é tão marginalizada e evita tratá-la com tabus ou preconceitos, buscando a transparência e a humanidade em todo momento. Estamos longe de esteriótipos ou de visões feitas de transsexuais por outros que não eles próprios, o que naturalmente leva a potência da obra para outro patamar. Aqui, tratamos de transparência e sinceridade em todo momento. Em momento nenhum os discursos promovidos pela obra soam artificiais ou pré-fabricados. Sua produção e seu lançamento comercial acabam sendo, portanto, forte ato de resistência e de luta sociopolítica por meio da cultura.
Imagens e Vídeo: Divulgação/Arteplex Distribuidora
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