Em 1982, o diretor Ridley Scott trouxe para as telas dos cinemas uma ficção científica que acabaria entrando para história. Inspirada na obra “Do Androids dream of eletric sheep” – escrito pelo então desconhecido por Hollywood Philip K. Dick, o filme “Blade Runner – O caçador de Androids” chegou a ser contestado na época devido a sua complexidade e ritmo bastante diferenciado, ao tempo que seu aspecto sombrio e catastrófico. Contudo ganhou popularidade e a atenção devida com o passar dos anos, figurando atualmente como um dos filmes mais bem realizados de todos os tempos.
Desde o seu lançamento uma sequência vinha sendo planejada, porém muitos projetos foram engavetados e com eles a presença de diretores renomados. Até que, em 2015, de forma oficial, uma continuação começou a ser desenvolvida, o que despertou novamente a atenção dos fãs. Eis que, dois anos depois, enfim, chega aos cinemas o aguardado “Blade Runner 2049”, trazendo uma história consistente que não fica devendo muito para o seu original.
O enredo mantém a premissa de um mundo futurista completamente destruído tomado por tecnologias de ponta. No qual somos constantemente vigiados por replicantes desenvolvidos para constituir serviços de alta periculosidade, como caçar e aposentar rebeldes de sua própria espécie, foragidos desde os acontecimentos de 30 anos atrás. Nesse contexto somos apresentados a “K”, um caçador de androides de primeira linha, incumbido a descobrir o paradeiro de alguns dos nomes mais procurados atualmente. Entretanto, em meio a sua jornada, ele acaba se deparando com algumas respostas que desencadeiam memórias antes suprimidas, o que o coloca em uma perigosa e duvidosa situação.
Uma produção requintada, desenvolvida pelo próprio Ridley Scott e outros importantes nomes da indústria, nos permiti reencontrar esse fabuloso e irônico universo futurista, criado de forma pretensiosa como uma espécie de crítica às mazelas da sociedade. Sem perder a essência de seu antecessor o filme emerge a cidade com efeitos impactantes, que saltam aos olhos se apoiando em um possível avanço tecnológico e novos e intrigantes ambientes.
Escrito por Hampton Fancher e Michael Green, o roteiro não abusa dos diálogos, aos invés disso opta por um aspecto mais existencialista – embutido na já utilizada linguagem do cinema noir. Sem falar que emula outros pontos imprescindíveis que fizeram de “Blade Runner” um clássico com o passar dos anos. Repleto de analogias e simbolismos que aprofundam ainda mais a narrativa, criando metáforas tão significativas quanto suas paranoias e reflexões, a trama nos submete a uma transformadora e introspectiva viagem em busca da verdade. Mesmo os roteiristas tentando evocar certa originalidade nesse ponto, priorizando uma estrutura mais dramática, uma simples desconstrução do roteiro nos entrega os já famosos arquétipos usados por seu antecessor: a femme fatale que nos encanta a cada cena; o herói que sofre com conflitos de moralidade – que o dilacera constantemente; e os diversos discursos filosóficos que implicam sutilmente a sociedade e algumas de suas características. Um ponto negativo aqui é a necessidade de uma genérica reviravolta que poderia receber um outro tratamento.
E nada melhor do que a pontuada e paciente direção de Denis Villeneuve para reconstituir essa distopia cyberpunk repleta de incertezas e questionamentos sobre a humanidade – ou o que sobrou dessa. O diretor explora suas sequências com harmonia, combinando cores, planos e sons com uma sutileza ímpar. Se em “A Chegada” o diretor nos impressionou com o uso do som, aqui ele nos hipnotiza pelo visual estonteante. O equilíbrio entre os grandes planos abertos e os suaves movimentos de câmera, bem como angulações específicas que ganham destaque no decorrer da projeção, permitem o espectador viver um mix de sensações que vão da grandiosidade ao afastamento emocional em questões de segundos. E nesse meio tempo, a aproximação acaba sendo inevitável e bastante importante tanto para o filme quanto para quem está assistindo.
A fotografia de Roger Deakins mantém a atmosfera melancólica da deprimente Los Angeles do futuro, mesmo 30 anos depois. O perfeito balancear entre o psicológico e o emocional, destacado através da transição das paletas de tons escuros – que permitem um visual deprimente – às cores quentes que invadem certos cenários fornecendo um suspiro de esperança ao sombrio ambiente, tomam facilmente a atenção do público que se envolve ainda mais com as cenas. De forma marcante, somos bombardeados por luzes e cores que penetram a mente em meio a sombria e decadente cidade revivida pelo excelente design de produção.
O elenco funciona em todos os momentos, mesmo que algumas atuações estejam repetitivas e possamos sentir falta de algo mais memorável. Ryan Gosling encabeça o filme como “K”, se apoiando em uma interpretação mecânica com resquícios de naturalidade – algo próximo a um sociopata, como já vimos em “Drive”. Harrison Ford retorna como Rick Deckard e prova ainda mais que sua atuação melhora com o passar dos anos. Robin Wright vive a tenente Joshi, e mais uma vez está bem em cena – mas, não é difícil encontrarmos uma Claire Underwood por baixo de feições usadas por ela. Jared Leto aparece em uma pequena participação e não convence muito, independente de seus “famosos” métodos de atuação. Ao contrário de Ana de Armas que está muito bem como Joi, e Sylvia Hoeks, que ganha destaque com uma construção séria e apropriada – meticulosamente delineada com notáveis expressões – para a antagonista do filme, Luv.
Com uma edição bem trabalhada, amparada por uma belíssima correção de cor e uma bonita trilha sonora (mesmo essa não sendo melhor que a original), “Blade Runner 2049” é um filme feito de forma grandiosa para o público de hoje. Sincero, reflexivo e totalmente contemplativo, pode chegar a causar certo afastamento ou até mesmo ser considerado cansativo por alguns (como aconteceu com o primeiro), todavia trata-se de uma obra prima inquestionável que será lembrada por muitos anos. É cinema de qualidade e merece ser visto.
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