Bradley Thomas (Vince Vaughn) senta-se de frente para o Detetive Watkins (Clark Johnson) em uma sala de interrogatório. Atrás dos dois e no canto do plano, pode-se ver uma bandeira dos Estados Unidos. As palavras que trocam esses personagens, em posições momentaneamente opostas – investigado e investigador, respectivamente – os afastam com a mesma intensidade que os aproximam. A sequência descrita funciona simultaneamente como um resumo da longa introdução e um adiantamento do que se segue.
Bradley, como se apresenta desde a primeira aparição, é um conservador típico. Enquanto caminha para o trabalho, a câmera o filma inicialmente de costas, revelando uma grande cruz tatuada em sua cabeça. À porta de sua casa, para onde volta após ser demitido, estende-se uma bandeira como aquela vista posteriormente na delegacia. Cristão e nacionalista, o protagonista vê seu casamento com Lauren (Jennifer Carpenter) ameaçado e contra isso reage. Reação, por sinal, é palavra-chave de seu comportamento.
Reage quebrando o carro da esposa quando descobre uma traição. Reage entrando para o negócio das drogas para sustentar Lauren e a filha em gestação. Reage, de acordo com seus princípios morais, matando parceiros para salvar policiais. É nesse momento que, finalmente, a prisão indicada pelo título “Brawl in Cell Block 99″ – pode ser traduzido como “briga na cela 99” – começa a aparecer. Bradley vê-se então de frente para o Detetive Watkins, que investiga seu caso.
Os dois homens têm mais em comum que parecem. Thomas, revela Watkins, poderia inclusive estar sentado do lado oposto da mesa se não fossem suas “escolhas ruins”. Afinal, é um sujeito dotado de uma “bússola moral” e, justamente por isso, poderia conseguir uma pena menor caso entregasse seus contratantes. O personagem interpretado por Vince Vaughn – em atuação visceral, talvez a melhor na carreira do ator – se nega e contesta a punição que lhe cabe em fala que explicita o aspecto político do filme: o sistema é mais duro com traficantes do que com aqueles que cometem crimes contra mulheres e crianças.
Para construir um discurso sobre a realidade carcerária norte-americana, “Brawl in Cell Block 99″ recorre aos excessos. A fotografia, assinada por Benji Bakshi (Rastro de Maldade, Holidays), predominantemente escura e azulada, já anuncia desde os primeiros minutos o caráter sombrio do longa-metragem. Cria clima, assim, para a crescente violência que toma conta da tela. E se ela não resulta em um espetáculo sanguinário e vazio, muito se deve à opção do diretor S. Craig Zahler (Rastro de Maldade) por assumir o grotesco das imagens. Longe de tentarem emular o real, elas confessam seu exagero.
A experiência prisional de Bradley levanta discussões importantes sobre a violência da polícia e do Estado. O personagem reage contra um sistema falho, que associa segurança máxima à liberdade mínima – relação explícita em fala de um diretor de presídio vivido por Don Johnson. Reage contra uma lógica para a qual “fazer justiça” é vingar-se – ideia evidente na atitude dos guardas de uma prisão apelidada “geladeira” quando eles aproveitam o desmaio do encarcerado para machucá-lo. Reage, enfim, contra um mundo no qual parece impossível se inserir.
“Brawl in Cell Block 99”, em suma, tem como mérito combinar com sucesso exercício de gênero e reflexão política. A longa duração – duas horas e doze minutos, idêntica à de “Rastro de Maldade”, filme anterior do cineasta – e a demora para delinear o conflito central podem afastar alguns espectadores. Sem a cuidadosa construção de personagem do roteiro de Zahler, contudo, a segunda parte poderia não ter o mesmo efeito. Correria o risco de limitar-se a apenas um conjunto de sequências de ação bem filmadas.
*Filme visto durante o Festival do Rio 2017. Ainda sem data de estreia definida, o filme não possui trailer legendado e nem pôster em português.
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