No passado recente, a cineasta Mounia Meddour encantou os cinéfilos com o excelente “Papicha”. Nele, ela acompanha um grupo de mulheres que estuda moda durante a guerra civil na Argélia. Agora, ela volta aos dramas femininos em “Dançando no Silêncio”, cuja protagonista é a mesma Lyna Khoudri do filme de 2019. Os personagens interpretados pela atriz são diferentes em personalidade, mas perseguem o mesmo objetivo: a liberdade em um país comandado por homens. Se em “Papicha” as roupas são o ponto de ruptura com o regime que assola sua vida, agora é a dança que tenta libertá-la da opressão da violência representada por um homem que a ataca.
Com esses dois filmes, já dá para dizer que Meddour possui um toque autoral ao perseguir um tema específico: os dramas femininos em uma sociedade que parece querer exterminá-las. Além disso, a direção da cineasta franco-argelina segue os mesmos padrões ao retratar suas mulheres com doçura, esperança e superação. A câmera está sempre próxima delas e elas estão sempre juntas, seja em carícias ou em comunhão de corpos geralmente banhados pelo sol. Nesses momentos, a unidade feminina é representada por um círculo, e quando algum homem tenta interferir, são impedidos pelas cortinas que fecham as janelas e as portas que impedem que invadam. O que importa ali são elas, o mundo que as cerca é irrelevante. A figura masculina até aparece de forma leve em alguns momentos, mas na maior parte do tempo ela só traz destruição.
Khoudri é a representante dessas mulheres, e a força da intérprete está nos seus olhares e na dança que é misturada com a linguagem de sinais, pois ela não consegue mais falar após o ataque que sofreu. Os movimentos são intensos e possuem um ar de urgência, como um pedido de socorro ou como uma exorcização feita por ela mesma e suas amigas. Ela, de fato, precisa expulsar o mal, e usa o corpo para se comunicar após tirarem sua voz. A sensibilidade de sua Houria (nome que é o título original do filme) é externada, portanto, pela arte, que no primeiro ato segue o movimento clássico do balé, e, em seguida, se transforma em dança moderna, à medida que seus dramas deixam de ser latentes.
Portanto, “Dançando no Silêncio” é para fazer com que as vozes sejam ouvidas, mesmo que elas venham de personagens que não podem mais falar devido à violência que sofreram ou os traumas que enfrentam desde de que nasceram em um país que parece nunca as deixar em paz. O filme trata da Argélia, mas a história pode muito bem ser transportada para qualquer outro país, mesmo que ele não esteja envolvido em guerras. Basta, na verdade, olhar para o Brasil, onde as mulheres são cada vez mais maltratadas em uma realidade que se transformou sangrenta para elas. Com isso, não é de se surpreender os números alarmantes de feminicídios noticiados pela imprensa quase diariamente. É algo que, infelizmente, não possui uma resolução rápida, pelo menos enquanto os homens continuarem a pensar que são donos das vidas de suas companheiras, esposas e namoradas.
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