A Quinzena dos Realizadores, uma mostra paralela que acontece durante o festival de Cannes, é reconhecida por exibir filmes com propostas diferenciadas, que fogem do que geralmente é feito pelo mainstream. De lá saem filmes com histórias incomuns, feitos por diretores muitas vezes desconhecidos ou iniciantes. Um dos mais novos exemplares saídos da Quinzena é “Deerskin – A Jaqueta de Couro de Cervo”, de Quentin Dupieux, que conta a vida de Georges (Jean Dujardin), um homem obcecado por sua nova jaqueta feita de camurça. Ele a acha tão estilosa que passa a ter diálogos com ela e a agir para garantir que ela seja a única jaqueta do mundo. Premissa bizarra, mas que ficará na cabeça do espectador muito tempo depois dos créditos finais.
Mas não é pela bizarrice em si que “A Jaqueta de Couro de Cervo” trará reflexão, e sim pelo subtexto do roteiro do próprio Dupieux, que mostra as mudanças na vida de Georges já maturadas assim que o filme começa. Ele é um homem solitário que largou a esposa, entrou em seu carro e começou uma viagem para o campo. Antes, contudo, faz uma parada para comprar a tal jaqueta e uma câmera de vídeo de um idoso pela bagatela de sete mil Euros. Vestido com sua nova pele, o homem se hospeda em um hotel e passa a frequentar o bar local, onde conhece Denise (Adèle Haenel), uma garçonete e editora de vídeos, que ajuda a montar e transformar em filme os vídeos que ele começa a fazer.
Claro que o personagem principal desses vídeos é a jaqueta marrom e cheia de detalhes, no estilo cowboy cafona. Durante a trama, Georges vai complementando o look, com calça, botas, chapéu e luvas. Todos de camurça e da mesma cor marrom da peça principal. Nesta “transformação” de homem comum para uma espécie de animal selvagem (as peças são feitas de couro de cervo), ele muda o comportamento antes calmo e controlado para o impulsivo e raivoso, com direito a urros de um típico macho alfa. Se antes sua postura era passiva, agora ele se torna um predador, que mata suas presas (as pessoas da pequena cidade) para retirar suas peles representadas por suas jaquetas.
Contudo, Dupieux mantém o animal enjaulado nos enquadramentos durante o primeiro e segundo ato. Tudo serve como jaula, desde a cabeceira da cama, a janela do carro e os batentes das portas. O diretor só deixa seu personagem sair para a natureza, abandonando suas prisões, no chocante ato final. Até o desfecho, cada momento é registrado pela câmera amadora, agora operada por Denise, que se vê fascinada por aquela história. Ela presencia, através das lentes, uma nova espécie florescer a partir de um homem aparentemente afetado pelo término do casamento. Se antes ele era fraco, agora se tornou poderoso e confiante. O sonho de acabar com todas as jaquetas do mundo pode virar realidade porque suas novas habilidades serão usadas para arrancá-las dos corpos decepados de suas vítimas.
“Deerskin – A Jaqueta de Couro de Cervo” é um estudo de personagem que fala sobre vaidade, narcisismo e a solidão. Com uma trama breve (são apenas setenta e seis minutos de duração), o roteiro é construído a partir de situações estranhamente cômicas, mas que se mostram cruéis com o protagonista e com quem o cerca. Provavelmente não agradará a todos, pois segue um molde narrativo que não entrega suas imagens gratuitamente, é preciso ruminá-las e digeri-las, porém isso dependerá da capacidade reflexiva de cada um.
Imagens e Vídeo: Divulgação/Califónia Filmes
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