“Ah, os filmes franceses…” – Dessa frase espera-se um suspiro ou uma bufada, afinal a oscilação de grandes obras à outras bem questionáveis já um uma marco comum no cinema francês, uma especie “ame ou odeie”. “É Apenas o Fim do Mundo” (Juste La Fin Du Monde), de Xavier Dolan, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2016, é um exemplar de ame, mesmo em silêncio, mesmo que não mereça, mesmo que machuque.
Se você já está habituado a filmografia do diretor, seis filmes ao todo, já percebeu que a famosa lavagem de roupa suja se tornou quase que um objetivo de vida, cada vez se superando por inúmeras qualidades, e nesse não seria diferente.
Após doze anos fora de casa, sem contato com seus parentes, o escritor Louis-Jean Knipper (Gaspard Ulliel) retorna a sua cidade natal, no interior da França, para um almoço em família onde aproveitaria para contar sobre sua morte iminente. Porém, ao se encontrar com sua mãe (Nathalie Baye), sua – praticamente desconhecida – irmã mais nova, Suzanne (Léa Seydoux), seu irmão, Antoine (Vincent Cassel), e sua cunhada, Catherine (Marion Cotillard), o ressentimento existente entre eles altera seus planos para aquele dia, despertando rixas antigas e seu breve convívio ali vai abaixo pela capacidade das pessoas de não ouvirem, nem amarem umas às outras, dando o lugar a solidão.
O roteiro, escrito pelo próprio diretor, adapta a peça homônima de Jean-Luc Lagarce e tem quase todo o desenvolvimento na casa onde Louis cresceu, resgatando memorias de momentos vividos ali e aumentando ainda mais o clima de tensão entre os familiares. Nele percebemos o quão poético e contraditório podem ser as relações humanas, construídas por segredos e por aqueles que resolveram se calar, pois, ainda que possua diálogos arrebatadores, é a omissão que dá o tom certo para esse drama.
Dolan, que se fez multiuso nesse projeto (produtor, diretor, roteirista e montador) acerta em grande parte de seu trabalho, menos na montagem. Ele consegue adaptar bem o espetáculo, desenvolve uma direção envolvente, extrai de seus atores cenas belíssimas, com atuações estonteantes, mas sua montagem oscila. É interessante perceber que ficamos tão entretidos e envolvidos com a história daquela família que do nada saímos dela, como um estalo, devido a condução, para depois voltarmos a orbita. Em alguns momentos, existe um distanciamento pessoal para com o que está sendo exibido, não por não nos identificarmos ou não gostarmos, mas por faltar algo que nos instigue a continuar ali. Com isso, entramos e saímos da narrativa algumas vezes.
Algo que nos induz a permanecer presentes é a escolha da trilha sonora, cheia de sucessos populares, como Dolan gosta de fazer em suas obras. Ela é inserida de forma bastante natural aos acontecimentos, soando quase que como uma outra presença, um personagem onírico para a vida deles.
Casando as trilhas e suas ocasiões vem a Direção de Fotografia de André Turpin que aposta em cores vivas, ainda possuam aparência de “velhas e empioradas”. Tal colorida proposta dá uma vida a morte e ausência de afeto, tornando o superficial em algo profundo e, em sua maioria, sombrio. Mesmo as cenas mais emocionantes, que se poderia abusar das cores, há uma sobriedade nelas e uma ousadia de múltiplos planos para compor a linguagem visual.
Ainda que os personagens sejam basicamente unilaterais e sigam perspectivas pré-estabelecidas, como o solitário escritor, a mãe descolada, a irmã meio rebelde, o irmão briguento e a cunhada submissa, não podemos de maneira alguma não aplaudir as atuações. As explosões de Cassel são tão palpáveis, que pode vir à nossa mente, com facilidade, um parente; Léa Seydoux que inicialmente não mostra o motivo de estar ali, ganha força e tem uma forte presença quando se aproxima do final, conquistando o público; enquanto Léa Seydoux, como a mãe, é o a única perda ali, afinal ela é uma atriz incrível e fica relativamente subaproveitada.
Gaspard Ulliel, usa do rosto de bom moço a seu favor atraindo a atenção para ele. Seu trabalho como ator baseia-se na vulnerabilidade da omissão, por acreditar que seja a melhor postura e consegue passar sua mensagem. Porém, mais uma vez, Marion Cotillard é um orgasmo. Assisti-la sendo a submissa e silenciosa Catherine é de arrepiar. A forma como ele conduz seu olhar, narra sua construção através da postura e, nos poucos momentos em que sua voz é ecoada, é literalmente um banho de interpretação e inspiração, ousando dizer que Cotillard é a melhor atriz francesa desses últimos anos.
Se as relações familiares são um clichê cinematográfico nós já sabemos, mas não esperávamos tanto frescor vindo de um filme francês. O amor em sua plenitude faz de “É Apenas o Fim do Mundo” uma obra de reconhecimento pessoal, libertador em suas vulnerabilidades, mas acima de tudo, uma reflexão do que deixamos marcado na vida das pessoas que nos rodeiam. Maravilhoso.
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