Castelos em ruínas
Como uma dupla de jovens cheios de paixão pela vida pode esmorecer em alguns anos e se transformar em um casal ordinário levando uma vida tradicional e monótona num subúrbio americano dos anos 50? Esta é a história contada em “Foi apenas um sonho”, cujo título original, “Revolutionary Road” é bastante irônico, uma referência à rua para onde os dois se mudam e criam seus filhos. Estrelando Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, num enredo bem diferente de “Titanic”, traz interpretações excelentes de ambos, que recentemente ficaram particularmente em evidência por rumores sobre estarem juntos na vida real.
A abertura, com um panorama noturno de uma cidade iluminada e a música “The gypsy”, canção do grupo vocal The Ink Spots, segue para a festa em que os dois se veem pela primeira vez, conversam e dançam. Ainda com a música de fundo, a atmosfera muda completamente, e também o tempo: um close mostra que Frank (DiCaprio) está sério; trata-se de uma performance fracassada de April (Winslet) no teatro (ela havia mencionado que era atriz ao se conhecerem). Já são casados e o clima não é mais de sedução. Muito pelo contrário, sentimos que a relação desmorona, não apenas pelos diálogos bastante agressivos quanto por imagens que representam bem o distanciamento do casal: ambos andando paralelamente por um longo corredor, mas muito afastados um do outro; ou quando estão no carro, cada um em seu assento, dando a impressão de um enorme espaço vazio entre eles. Só então, o título do filme aparece.
A recriação dos anos 50 é excelente, tanto em cenografia e figurino como nos hábitos da época: fuma-se muito, inclusive no ambiente de trabalho e em restaurantes. Embora fosse comum que os homens vestissem terno e gravata no dia a dia e usassem chapéu, cenas em que Frank – trajado dessa forma como todos os demais ao redor – espera o trem ou atravessa a estação fazem com ele pareça fazer parte de uma massa sem identidade, apenas mais um ser na multidão, o que é totalmente contrário aos seus anseios. O personagem trabalha em algo de que não gosta e vai deixando se devorar pela rotina, abandonando seus sonhos, para angústia de April, que em nada se identifica com a vidinha familiar em um lugar onde nada acontece.
Há cenas em flashback que são memórias de April, como a primeira visita à casa onde moram, levados pela Sra. Givings (Kathy Bates). Ao fim da cena de devaneio, vemos a jovem de costas, como se olhasse para o passado. O diretor Sam Mendes acertou no uso da câmera ao longo do filme, em tomadas em que acompanha uma das várias discussões do casal, tornando a atmosfera ainda mais tensa, girando-a em torno de Frank e April em seus momentos individuais de solidão e angústia. O rosto dos atores é posto em evidência várias vezes, e o trabalho de Kate Winslet é particularmente admirável – algo sempre fervilha dentro dela, prestes a explodir – o que acaba acontecendo nas cenas de confronto.
O roteiro de Justin Haythe, baseado no romance homônimo de Richard Yates, é bem estruturado e com excelentes diálogos, que ao serem filmados foram feitos com energia e ritmo indispensáveis para que o longa não se transformasse em um tediosa discussão de relacionamento. Interessantíssima é a presença de um personagem perturbador e provocador: John (Michael Shannon), filho da Sra. Givings, que é levado por ela para socializar com o casal. Considerado louco, tendo estado em um manicômio e tomado eletrochoques, ele é elemento externo, invasor, que diz grandes verdades com muita lucidez. Ótima atuação também de David Harbour e Kathryn Hahn como os vizinhos Shep e Milly, ela excessivamente sorridente, ambos ancorados na zona de conforto do cotidiano sem querer que ninguém próximo a eles ouse alçar voos mais ousados.
“Foi apenas um sonho” pode ser perturbador para quem vive uma crise existencial e tenta fugir dela por medo de arriscar; mas também pode funcionar como impulso para tomada de atitude. De qualquer forma, é um trabalho com elenco de primeira linha e deve agradar tanto aos fãs da dupla que o protagoniza quanto aos apreciadores de um drama bem dirigido.
Neuza Rodrigues
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Um filme contundente sobre os descaminhos que a vida pode tomar. E uma sociedade hipócrita que reluta em aceitar quem não reza por sua cartilha, porque no fundo não tem a mesma coragem. A cena final é um fecho primoroso para esse doloroso e tocante filme. Di Caprio e Kate estão perfeitos.
O filme é excelente! Muito bom! E a atuação visceral de Leonardo e Kate, algo tremendo! Eu não sei como os dois não receberam um Oscar por tais atuações! A academia fica devendo em várias situações! Muitas vezes premiando porcarias e deixando de lado atuações deste quilate!