A peça-instalação de Bia Lessa explora os sentidos do espectador desde que ele pisa no Centro Cultural Banco do Brasil
“Grande Sertão Veredas” tem sido ovacionado por onde passa, com sessões esgotadas até o final da temporada e – ainda sim – uma fila de desistência marca presença antes de cada espetáculo, naquela última esperança de conseguir assistir. A pergunta é: o que o sertão de Bia Lessa tem de tão especial? Algumas coisas.
A obra de Guimarães Rosa, uma das mais relevantes da literatura nacional, é um romance regionalista em que Riobaldo – vivido por Caio Blat – seu protagonista, narra o sertão a partir de suas inquietações, lutas, medos e incoerências como jovem jagunço no sertão, onde viveu um amor reprimido pelo parceiro Reinaldo/Diadorim, que ele não sabia ser, na verdade uma mulher.
Ao pisar no local em que a peça está em cartaz, o espectador se depara com uma estrutura de ferro no centro e bonecos de feltro em tamanho humano espalhados pelo espaço. Os sortudos que conseguem assistir sentam nos arredores desse tipo de andaime e tem a disposição fones de ouvidos individuais – tantos elementos ajudam a compor a proposta da diretora de oferecer uma encenação híbrida, composta por teatro, artes plásticas, uma sonorização cinematográfica – este último de Fernando Henna e Daniel Turini – e de uma quebra total da noção de início, meio e fim.
É de fato artificial ver a peça com fones de ouvidos, mas ao afastar um pouco o acessório das orelhas já fica claro que seria inaudível sem a utilização do mesmo, afinal estamos falando de um texto difícil de ler, encenar e ouvir. O elenco entra em cena e na mesma conexão que começam, terminam – a sintonia para representar plantas, pássaros e inúmeros personagens é forte e selvagem. A encenação com foco nos corpos dos atores, é de fato o maior trunfo de todo o espetáculo. Caio Blat narra a história com um sotaque – bem questionável – e, algumas vezes, acerta na abstração das palavras, em outras, cai na armadilha de declamar o texto. Ainda assim é, de longe, o melhor em cena, garantindo a atenção no que acontece, já seus parceiros deixam um pouco a desejar.
Luisa Arraes vive o protagonista na sua infância com idas e vindas na trama, a atriz carrega com mais responsabilidade a função de não deixar a peteca lançada por Caio Blat cair, o que, por sua vez, desliza – muitas vezes não se entende o que o Riobaldo mais jovem diz. Outra personagem de destaque, Diadorim, vivida por Luiza Lemmertz, parece estar o tempo todo numa mesma frequência de rispidez – se tratando de uma mulher escondida entre homens, cheia de ódio e alvo da paixão do protagonista, era de se esperar uma interpretação com mais camadas. O elenco traz mais seis nomes: Balbino de Paula, Clara Lessa, Daniel Passi, Elias de Castro, Leonardo Miggiorin e Leon Góes. Eles incorporam pessoas, animais, plantas e troncos deixando vivo o imaginário do sertão a quem assiste. Os corpos nus são as únicas variações da paleta de cor que vemos em cena, tendo em vista que os figurinos de Sylvie Leblanc são pretos e não delineiam os personagens.
Toda a montagem cênica, em conjunto com os outros elementos – os fones, a parafernália exposta – são definitivamente muito interessantes. Porém, é necessário um esforço a mais do espectador do que simplesmente sentar e receber o que lhes é dado – aprender a ser plateia é de fato uma deficiência do teatro brasileiro. Aqueles que não leram, decerto vão se perder, os que leram precisam ter atenção dobrada por conta da encenação lotada de atores – às vezes desnecessariamente. É um espetáculo realmente difícil, porém muito necessário. Os desatentos devem passar longe e os amantes do teatro e da literatura não podem perder.
Por Rayza Noiá
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