O cinema independente norte-americano vem há anos entregando algumas obras que superam em muito as produções vindas da midiática Hollywood. Sem depender das regras de um grande estúdio, e sem a pressão de arrecadar fortunas em bilheteria, filmes como “Donnie Darko” se tornaram cultuados por críticos e cinéfilos. O sucesso dos independentes é devido à criatividade empregada nos roteiros (como no caso de “Darko”) e ao empenho dos cineastas estreantes em fazer a diferença em uma indústria tão surrada pela repetição. Jennifer Reeder, apesar de não ser uma estreante, é mais uma, com seu “Knives And Skin“, a tentar entrar na prateleira dos cineastas que quebram paradigmas. Bom, dá para dizer que ela quase consegue.
“Knives And Skin” não possui uma trama específica. A narrativa é recortada para mostrar as vidas de alguns personagens em uma pequena cidade dos EUA. Todos eles são afetados pelo desaparecimento de uma garota. Ali, naquela sociedade melancólica, eles parecem perdidos no tempo e espaço. Os mais jovens querem fugir para longe, mas não encontram caminhos para tal. As famílias são destroçadas por traições, falta de comunicação e conflitos. A escola está cheia de adultos pervertidos, que compram lingeries das jovens ou tentam abusar delas. Quem mais sofre são exatamente as mulheres, adolescentes ou adultas. Seus corpos são perseguidos, machucados, subjugados. É uma quase história sobre o que é ser mulher na América, e ter que enfrentar maridos ou os garotos imaturos e idiotas. Esses últimos são os clichês em forma de jogadores de futebol americano.
O universo feminino é atacado de todos os lados. Os espaços seguros para elas ficam limitados às partes de suas casas que são iluminadas pela cor rosa intensa. Sem esses locais, elas simplesmente desapareceriam, como o corpo da jovem que todos procuram. Há ainda os elementos surreais do longa, que aparecem em frases ditas pelos seus personagens, ou nos elementos visuais, como objetos que brilham para enfatizar a mensagem pretendida por Reeder. A música incidental também é um elemento que causa certa estranheza e angústia, já que ela é quase frequente. Não é uma música agradável, ela incomoda através do tom e da frequência empregados. Já os atores possuem momentos conjuntos de canto, mas que parecem muito com o que foi feito em “Magnólia” de Paul Thomas Anderson. Em síntese: cada um dos personagens canta a mesma música em locais diferentes, e são unidos em cortes suaves pela montagem.
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“Knives And Skin” é construído de forma diferente, mas bem que poderia ser um daqueles filmes tradicionais que falam da juventude sem perspectivas de futuro. Isso é bom e ruim ao mesmo tempo. Se por um lado há a tentativa de inovação, por outro parece que o roteiro e a direção enveredaram por caminhos forçados só para não ficar comum demais. É certo, no entanto, que há discussões e lições importantes deixados após os créditos finais, o que pode ajudar muitos que estão nas mesmas situações daqueles personagens. Infelizmente, com sua mensagem muito enigmática para cérebros jovens e digitalizados, o filme de Jennifer Reeder pode não atingir tantas pessoas como ela talvez pretendesse.
O filmes é de 2019, mas só hoje estreia nos cinemas brasileiros.
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