Em cartaz na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, “Lições de Blaga” é uma película teuto-búlgara que já nasce como um clássico. Acompanhe nossa crítica abaixo, sem spoilers, do longa, bem como nossa cobertura do evento pela tag.
Toda vida fui boa, mas agora…
Você se conhece de verdade? Tem certeza disso? Em “Lições de Braga” — do búlgaro “Urotcite na Blaga” — acompanhamos a vida de uma senhora católica de 70 anos após a morte de seu marido, tendo como grande missão fazer seu marido descansar dando-lhe um enterro digno. Blaga tem o dinheiro e contrata os serviços de um coveiro, no entanto, cai em um golpe de ligação telefônica e já não pode mais pagar pelo túmulo.
Sendo uma professora aposentada, que ainda trabalha dando aulas particulares para complementar a renda, não há instituição financeira disposta a oferecer-lhe um empréstimo que cubra a quantia de 16.000 lev, nem empregador que aceite alguém de sua idade para trabalhar. Seu filho Lyudmil, que tenta se estabelecer nos EUA ganhando a vida como caminhoneiro, Lyudmil, discute com sua mãe em prol de uma alternativa mais barata para as cinzas do pai, ao que a mãe, impassível, não recua.
“Lições de Blaga” é um monólogo, e a atriz Eli Skorcheva o sustenta com maestria. Não há esperança, ou humanidade, na decadente Shumen — e a frieza das pessoas se transporta para o ambiente quieto, burocrático, carola e engolido pelo brutalismo; como as recorrentes cenas de Blaga subindo uma longa escadaria, com vista para toda a cidade, e do caminho ao monumento só há algo: selva de concreto.
Uma única figura, no entanto, rompe com a ordem hostil: é a única estudante (Rozalia Abgarian) para qual Blaga dá aulas no momento. Sem nome, sabe-se que está tentando a cidadania búlgara e precisa demonstrar proficiência do idioma. Apesar da rigidez implacável da professora — bem reativa aos erros da jovem — comporta-se como um cordeiro e até é capaz de ler a angústia através de Blaga.
Por meio dessa personagem, os ruídos da personalidade de Blaga começam a tilintar. A professora não é simplesmente rígida, mas faz questão de se fazer presente corrigindo os outros sempre que pode; a língua, também seu ofício, é o único lugar que ainda possui alguma autoridade e poder — em contraste nem tão claro a todos os outros abusos que sofre em razão de gênero, idade, classe.
Em contraste com os inquestionáveis êxitos do filme em manter a tensão com um storytelling consistente e boas atuações, é na personagem de Rozalia que se materializam importantes clichês já há tempos e associados aos armênios. Imigrante de Artsakh, não é que seja condenável utilizar em alguma medida lugares comuns associados a um povo, no entanto, é na materialização de (cinco) estereótipos étnicos que se condensam ao ponto de romper a suspensão da descrença, embora atuação, escrita, e papel sejam ótimos — e pelo mesmo motivo o arco final da personagem é uma profecia autorrealizada.
Se você está de olho na programação da Mostra de São Paulo, esse é um dos longas que os amantes da sétima arte não podem deixar passar; um thriller ao mesmo tempo desterrador, sutil e que universaliza com maturidade discussões tão próprias também para nós.
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