O longa franco-iraniano “O apartamento”, dirigido Asghar Farhadi, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro com “A Separação”, traz às telas um retrato cultural através da história de um casal comum, em uma cidade decadente. O filme aborda de forma sensível o contexto social na qual a trama se desenvolve, mostrando o papel e os limites da mulher frente a situações completamente alheias à própria vontade.
Ambientado no Irã, traz traços culturais bem demarcados, descrevendo uma sociedade machista e a forma como ela se expressa nas relações inter e intrapessoais. O enredo explicita, através da forma como os discursos e ações se desenvolvem ao longo trama, o trato com as mulheres que mesmo em ambientes de amor e parceria, acabam por se tornar frios em situações atípicas. A história conta de forma bem amarrada como, em sociedades regidas pela religião, a mulher ocupa o lugar da posse, e tudo o que a envolve se encontra mais relacionada à honra (de seu cônjuge) do que aos seus próprios sentimentos e questões psicológicas. Em linhas gerais, a frustração do homem acaba se sobrepondo a dor da real vítima.
O casal Emad e Rana (Shahab Hosseini e Taraneh Alidoosti) levam uma vida comum, trabalhando ele como professor e ambos como atores amadores. Devido a uma obra próxima ao apartamento onde residem, são obrigados a deixar sua casa às pressas, sob o risco de desabamento. Sem ter onde morar, iniciam a busca por um lugar que caiba na sua realidade, quando são surpreendidos pelo convite de um amigo de elenco para morarem, provisoriamente, em um apartamento que lhe pertence e que se encontra vazio. O espaço é bom, com boa vizinhança e estrutura, no entanto, a inquilina anterior torna-se um problema desde a chegada dos novos moradores.
Uma noite, após um espetáculo, Rana retorna sozinha para casa, onde é surpreendida por um estranho. Pouco fica claro sobre o que ocorre nesta ocasião, mas sabe-se que a moça se fere e sofre um trauma significante. Devido ao contexto social Rana opta por não fazer queixa, visando não se expor. No entanto, sua relação com seu marido se torna mais difícil: ao passo que ela precisa desesperada e silenciosamente de ajuda, Emad não sabe como lidar com a situação agindo, por vezes, de forma insensível. Rana opta por lidar com sua dor, Emad anseia por respostas e vingança.
As cenas trazem dois contextos distintos: de um lado tem-se a cidade e suas mazelas, com atmosfera cinza, descrevendo uma rotina quase melancólica; por outro lado, o ambiente do teatro possui cores mais quentes, mostrando um peso significativo na vida deste casal, simbolizando a fuga de um quotidiano arrastado. A cenografia, assinada por Keyvan Moghaddam, traz um contraponto entre a vida crua que revela ambientes em suas proporções reais, sem nenhum tipo de glamourização, e a fantasia e a esperança (ainda que triste) da vida com arte.
Após o ocorrido com Rana, no entanto, os ambientes do longa passam a se misturar. A realidade começa a invadir o espaço lúdico do teatro, e a a atmosfera torna-se pesada e difícil.
O ritmo do longa se assemelha à vida real, diferindo-se da maior parte dos filmes, e talvez por isso torna-o um pouco longo. O mesmo pode ser observado nos figurinos, que também reforçam o ar de rotina. O que é muito interessante observar é como um fato atípico impacta no dia-a-dia de pessoas reais, e como é difícil lidar dentro de um ambiente social invasivo. Neste ponto os atores (em especial o casal protagonista) trazem verdade em suas atuações. Não por menos, Shahab Hosseini (Emad) conquistou o prêmio de melhor interpretação no Festival de Cinema de Cannes deste ano (2016). O prêmio de melhor roteiro também foi dado ao filme.
Por fim, “O Apartamento” é um ótimo filme, com grandes chances de estar presente no Oscar 2017. A trama é uma boa pedida para quem curte dramas familiares de alta qualidade.
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