Se falta de ambição é uma das piores coisas que podem acontecer a uma obra, ser ambicioso sem entregar o que promete é tão ruim quanto. Infelizmente, é o que acontece com “O Jantar”, projeto novo de Oren Moverman, que, com o perdão do trocadilho, pensa oferecer uma ceia suntuosa, mas o que recebemos não passa de uma refeição fria e insossa.
Adaptado do best-seller escrito pelo norueguês Herman Koch, o projeto parte do mesmo princípio de “O Deus da Carnificina” (2011) de Roman Polanski: dois casais que se encontram para tentar resolver uma situação criada pelos filhos. Só que aqui o problema não é uma desavença escolar, mas sim um crime e os pais que estão diante desse impasse fazem parte da mesma família cujo relacionamento não é o dos sonhos.
Através de um jantar, então, é que os irmãos Paul (Steve Coogan) e Stan Lohman (Richard Gere), acompanhados de suas esposas, Claire (Laura Linney) e Katelyn (Rebecca Hall), terão que passar por cima dos ressentimentos para decidir quais serão seus passos depois do ocorrido. O primeiro é um professor de história arrogante que sofre de transtornos psicológicos, enxerga a batalha de Gettysburg durante a Guerra Civil Americana como uma metáfora para a vida e acredita que o irmão mais velho não é merecedor do sucesso tem. Já o segundo é um pragmático homem da política há poucos metros de sua candidatura a governador, que, ao mesmo tempo em que convoca os familiares para decidir o destino de seus filhos adolescentes, está preocupado com a votação de seu projeto de lei no Congresso. Pena é uma boa palavra para descrever seu sentimento em relação ao irmão mais novo.
Assim, costurando a narrativa através de flashbacks, entre entradas temperadas com sal do Himalaia, pratos de galinha d’angola em cama de cogumelos e queijos Mimolette vindos direto da França, o espectador é convidado a montar as peças que, juntas, justificam o drama presente do filme. Soa promissor, e de fato, só se sustenta enquanto promessa: com um roteiro frágil e desequilibrado como o escrito por Moverman, não há produção que se salve.
Tirando do público a oportunidade de deduzir sozinho que a estória progride de acordo com as etapas da refeição (entrada, aperitivos, prato principal, queijos, sobremesa e digestivos), o longa é literal demais ao apostar em entretítulos que fazem esse trabalho para quem assiste. Já para um material que se constrói com os fragmentos do passado, os flashbacks passam completamente do ponto, distraindo mais do objetivo principal da trama do que a fundamentando.
Esse efeito colateral talvez se dê ao escolher um personagem do qual irradie a narrativa. Elegendo Paul como epicentro dos acontecimentos – sem ele ser diretamente nem indiretamente responsável pelo episódio que reúne os protagonistas -, o filme parece querer esclarecer a dinâmica da família Lohman, mas, na verdade, gasta mais da metade do tempo de projeção estudando a natureza do professor e de sua saúde mental fragilizada. No final das contas o esforço é infrutífero, pois ele pouco tem a ver com o objetivo central do enredo, que é chegar a um denominador comum sobre o crime violento cometido pelos filhos adolescentes.
Dar atenção demais à figura problemática interpretada por Steve Coogan também sai como um tiro pela culatra porque eclipsa o desenvolvimento dos outros personagens. Mesmo que ajude a mapear os conflitos entre aqueles indivíduos, não há a chance de entendê-los que não pelo olhar de Paul. Mas e Stan? Como o caráter dele se formou? Quais suas intenções? Percebemos o congressman como um homem benevolente, é dito para nós que seu amadurecimento precoce se deu devido à instabilidade emocional tanto da mãe, quanto do irmão, mas nunca vemos como é composta sua personalidade. Por essa questão, é difícil compreender, por exemplo, os motivos que levaram sua primeira esposa, Barbara (Chloe Sevigny) a abandoná-lo com os filhos ainda pequenos.
Com esse caminho do roteiro, o elenco é mal aproveitado. Richard Gere dá o tom certo a seu personagem, mas não há tanto para fazer quando o texto não tem profundidade. Laura Linney e Rebecca Hall com o pouco que lhes é oferecido até conseguem surpreender no ato final, mas também são prejudicadas pela falta de desenvolvimento dos papéis. Para Coogan, o problema também é o mesmo. Stan é egomaníaco, dono de frases como “Eu não sou racista, eu sou guerreiro das classes mais baixas”, mas o ator fica preso em mostrar seu lado histriônico, já que demora muito tempo para que possamos ver as nuances em seu comportamento.
Como diretor, Oren Moverman se sai melhor. À medida que a tensão cresce durante o jantar, a câmera sai de uma movimentação suave, como a falsa polidez entre os quatro à mesa, para ganhar a agilidade e claustrofobia de cortes rápidos e de planos fechados quando os esqueletos começam a sair do armário. A escolha de Stan como âncora da trama, mesmo que discutível, também está materializada na tela desde o princípio. Não é à toa que o primeiro plano dos eventos no presente é um quadro fechado em sua cabeça e aos poucos vai se abrindo enquanto ouvimos sua narração em off.
Já na fotografia, Bobby Bukoswki é eficiente em separar os três tempos narrativos com temperaturas diferentes, apesar de que, é bom lembrar, esse é um recurso que já caiu em lugar comum. Interessante mesmo é o uso da luz vermelha que banha a fachada do restaurante, cor que volta em pequenos detalhes ao longo do filme, uma materialização da apreensão e da violência que envolve essa família; até na cena em que o crime, de extrema violência, é consumado, ela está presente.
Porém, mesmo que em termos estéticos exiba uma ou outra ideia notável, “O Jantar” não se salva. Não sabendo lidar com a estrutura que assume, o que afeta não só o ritmo, mas também o desenvolvimento dos personagens, o filme torna-se desnecessariamente cansativo. Preferível ir jantar com o Leatherface e sua família de assassinos em o “Massacre da Serra Elétrica” (1974). Com certeza seria menos sofrível.
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