O Mágico de Oz é um livro popular escrito por L. Frank Baum em 1900. Obra que gera fascínio e encanto, ganhou, desde 1908, mais de 20 produções cinematográficas, a mais conhecida sendo o clássico musical de 1939, com Judy Garland como a protagonista Dorothy. O texto ganhou uma adaptação teatral do próprio autor em 1902 e estreou na Broadway em 1903, somando 13 grandes produções até o momento. A montagem brasileira apresentada no Teatro Procópio Ferreira contou com roteiro de Adalberto Neto e direção geral de Sandro Chaim.
Crítica: Bob Esponja, o Musical
A história acompanha a jornada de Dorothy, uma garota do Kansas, que é levada por um tornado para a Terra de Oz. Em sua busca para encontrar o caminho de casa, a personagem descobre que quem pode ajuda-la é o Mágico, que mora na Cidade das Esmeraldas, e enquanto vai até lá faz três amigos – o Espantalho, que deseja um cérebro, o Homem de Lata, que busca um coração, e o Leão, que enseja ganhar coragem, enfrentando a Bruxa do Oeste no caminho.
O roteiro assinado por Adalberto Neto mantém as ideias da narrativa de Baum, mas falha ao esvaziar significativamente o texto, retirando qualquer profundidade narrativa. Baum escrevia para crianças, mas não de maneira infantilizada, de modo que o que o público pôde conferir foi uma narrativa que soa menos do que um livro infantil comprado em bancas de jornal. Como exemplo, basta mencionar as curtíssimas aparições da tia Em (Bia Barros) e do tio Henry (Maurício Alves) ao começo e final do espetáculo, que não têm tempo de palco o suficiente para criar um contexto inicial ou uma finalização afetiva significativa com a própria sobrinha, de modo que a remoção desses personagens do roteiro não teria afetado tanto o espetáculo. A Bruxa Má do Oeste (Daniele Winits), não é abordada como um obstáculo à jornada de Dorothy, sua razão de ser no texto, mas ao contrário, é difícil compreender o que a personagem faz ali. Nesse sentido, se os personagens do texto de Baum são definidos pela sua capacidade de justificar sua presença e cada motivação da história, demarcando atmosferas com suas aparições, o mesmo não pode ser dito pelos reimaginados por Adalberto, que se relacionam de modo severamente atenuado, mas que funciona para a dramaturgia montada.
A cenografia do espetáculo é conjugada em dois ambientes: no palco e em uma grande tela de LED. A partir desses recursos, todos os lugares da história são representados em cena, desde o momento do ciclone que atinge a pobre casa de Dorothy e seus tios no Kansas, cena bem construída com recursos de ilusionismo, até os diversos cenários do mundo de Oz, que se articulam entre o painel com alta resolução e os elementos físicos, tais como árvores com fisionomias humanas. Cenas como o jardim das papoulas e a casa da Bruxa Má do Oeste possuem a mesma lógica. Embora a combinação entre o cenário digital e as estruturas analógicas da cena estejam no princípio de experimentação cênica, possivelmente pelo custo, é inegável o deleite estético dessa combinação no espetáculo, que manteve a simplicidade do teatro infantil de maneira lúdica, colorida e bem iluminada.
Quanto aos personagens e atuações, é importante estabelecer os paralelos entre eles e o contexto de produção do livro, bem como a nova camada de significados que o texto de Adalberto Neto procurou inserir, relacionada sobretudo ao respeito à diversidade. Nossa leitura se baseia no livro de Ranjit S. Digh, “The Historian’s Wizard of Oz: Reading L. Frank Baum’s Classic as a Political and Monetary Allegory”, no que diz respeito à algumas aproximações da obra de Baum com o movimento populista estadunidense do fim do século XIX.
A começar por Dorothy, ela representa os Estados Unidos na visão de Baum, que ainda que em crise, almeja alcançar o retorno para a casa, mas que precisa tatear e aceitar o mundo que se encontra, estabelecer parceria com os diversos setores da sociedade para assim ser apto à mudança que deseja. A atriz Dandara Ferreira consegue transmitir a pureza e a coragem de Dorothy por meio de suas expressões faciais e corporais, sem cometer exageros ou simplificar demais a criança representada. A interação dela com o restante do elenco possui uma excelente sinergia, o que corrobora com a dinâmica do espetáculo. Sua presença de palco é cativante e, apesar das inúmeras interações que as crianças na plateia naturalmente têm com o palco, Dandara não perde o foco, o que é um acerto dada a dificuldade que é a produção de um espetáculo infantil. Entretanto, ainda que a atriz traga o protagonismo negro para a história e através dele seja possível uma primeira camada de representatividade, como o texto não traz uma discussão sobre isso, tal escolha parece não se adequar a proposta da montagem, tendo em vista que se a atriz fosse branca o roteiro funcionaria.
Totó, o cachorro que a acompanha, é marca do movimento abstêmio (teetoler) do período, que eram aliados ao avanço progressista do país, embora tenham dificuldade de deixarem claro seu apoio, o que é visível no texto de Baum nos momentos hiperativos do personagem. Pedro Meireles, que o interpretou como mestre bonequeiro, o fez com muita qualidade, com excelente domínio de palco e expressão vocal, representando de modo convincente o cachorro. A nuance nos latidos consegue dinamizar a interação dele com os demais personagens, bem como suas emoções nas cenas, dotando o animal com personalidade.
O primeiro personagem que eles encontram é o Espantalho, interpretado pelo carismático Ivan Parente. Ele representa os cidadãos rústicos de áreas rurais e pobres dos EUA, que na dificuldade de lidar com os problemas sociais que enfrentam, sabem que algo deve ser feito, mas não o quê, alegoria possível com o desejo de ter um cérebro. Ivan tem uma atuação encantadora e incorpora com habilidade a postura desajeitada do Espantalho.
Outro personagem agregado à aventura é o Homem de Lata, que representa o trabalhador da cidade que perde sua humanidade diante das fábricas e da crescente indústria, simbolizada no texto de Baum como alvo da maldade da Bruxa Má do Oeste que encantou um machado para atacar um humano, que foi substituindo suas partes carnais por lata. Quando Dorothy o encontra, o personagem está enferrujado e deseja óleo, pois uma tempestade (o desemprego) o enferrujou. Diante dessa desumanização, nada mais humano do que o desejo de um coração. O personagem foi vivido por Vinicius Loyola, que apresentou um domínio preciso da corporeidade de lata.
O último personagem adicionado à jornada de Dorothy é o Leão, que representa o “Leão de Nebraska”, William Jennings Bryan, influente político e hábil orador na época de Baum, mas que era covarde frente às posições anti-imperialistas do período. Maurício Xavier interpretou com maestria a dualidade do Leão, marcada pela timidez e pelos resquícios da coragem que vai crescendo ao longo da trama.
Uma vez reunidos os protagonistas, o grupo almeja a ida para a Cidade das Esmeraldas para encontrar o Mágico de Oz, interpretado por Frederico Reuter. Frederico, tal como o personagem do livro de Baum, consegue transmitir a energia do político populista e charlatão, o que se demonstra quando diz que irá conceder o desejo de cada um dos personagens se eles derrotarem a Bruxa Má do Oeste, que significa uma relação de troca de favores.
Após a derrota da Bruxa, o grupo volta para a Cidade das Esmeraldas e descobre que o Mágico é um ser humano comum, sem magia ou nada de especial, e que apenas se sustenta pela fama e por ter enganado a cidade. Os amigos ficam decepcionados, mas o Mágico declama um discurso motivacional, afirmando que cada um deles tem dentro de si o que procuram no exterior. Na altura da peça, a cena celebra a afirmação de que todas as diferenças devem ser aceitas por cada um dos personagens, seja uma masculinidade fora do padrão, por exemplo.
Em síntese, o roteiro manteve todos os personagens da narrativa original, que se relacionam através de uma amizade, respeitando e acolhendo as diferenças entre si. Além disso, formam uma relação de poder manifestada pelo favor com o Mágico de Oz, detentor do poder da hierarquia narrativa, mas não dramática, que privilegia Dorothy, também responsável pelo ponto de vista dos acontecimentos que é transmitido ao espectador. O que chama a atenção é que a peça se propõe a falar da diversidade, mas não diversifica o coro.
Os figurinos de Antara Gold são um espetáculo por si só. O estilo fantasioso decaí bem sobre os personagens de contos de fadas, cuja paleta de cores vivas é consistente com cada papel. O Homem de Lata, por exemplo, realmente convence ser feito de metal, o que auxilia na profundidade visual, em especial com a cenografia.
A montagem de “O Mágico de Oz” no Teatro Procópio Ferreira é um espetáculo que, apesar de suas virtudes visuais e algumas interpretações destacáveis, deixa a desejar em termos de profundidade narrativa e desenvolvimento dos personagens. Adalberto Neto, ao revisitar a obra de L. Frank Baum, parece negligenciar a riqueza das relações e motivações presentes no texto original, resultando em uma adaptação que, embora mantenha a essência da história, carece de substância. A escolha de dar maior destaque à diversidade é louvável, mas a execução deixa a desejar, especialmente ao não diversificar o coro, contradizendo a proposta inicial. Em última análise, enquanto o espetáculo encanta visualmente, sua narrativa poderia ter sido mais cuidadosamente elaborada para criar uma experiência teatral verdadeiramente memorável e impactante para adultos e crianças.
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