Com curtas que abordam temas sensíveis, Marçal Vianna, está conquistando o Brasil
Um jovem da Baixada Fluminense vem chamando atenção quando o assunto é cinema. Seu nome é Marçal Vianna, cria de Nova Iguaçu. Com filmes que já chegaram a festivais de renome como o Festival de Cinema de Gramado, Marçal coleciona também premiações.
Um dos curtas de maior destaque de Marçal é o documentário “Deus não Deixa”. A obra trata de forma extremamente sensível da autoaceitação. Além desse, também são destaques os curtas “O Ultimo Cinema de Rua”, “Neguinho”, entre outros.
E, para falar de cinema e Baixada Fluminense, convidamos esse jovem cineasta, que mostra todo potencial dessa região, para uma entrevista especial.
Confira abaixo a entrevista com Marçal Vianna
D’Andrade | Como nasceu a sua relação com o cinema?
Marçal Vianna | Eu sempre gostei muito de cinema desde criança. Sempre tive uma conexão muito forte com os filmes em geral. Lembro, que eu tinha até um caderninho onde eu pegava as propagandas de filmes dos jornais, eram muitas na época. Eu recortava e colava no caderno, para guarda aqueles pôsteres. E, eu também era rato de locadora. De alguma forma, eu sempre soube que eu tinha que trabalhar com cinema. Não sabia exatamente com o que, mas sabia que tinha que trabalhar com o cinema, com a parte de criação.
Mas é aquilo, aqui na Baixada a gente acha que nunca vai conseguir trabalhar com isso. A gente não era motivado por ninguém e, eu não tinha referências de pessoas que trabalhassem e vivessem disso. Pelo menos, eu não conhecia. Mas, eu sempre falava abertamente na escola que iria fazer vestibular para cinema e tal.
Contudo, as coisas na vida começaram a não dar certo. Aquela questão do mundo adulto, de ter que ganhar dinheiro, trabalhar. E, acabou que eu me formei em comunicação, em publicidade. Depois disso, foi no primeiro trabalho que eu comecei de fato a estudar cinema, fazer aquilo que eu queria. Então fiz cursos de roteiro, de direção e encontrei o EncontrArte, onde eu fiz audiovisual e me formei e foi uma importante base para continuar trabalhando.
Acho que a primeira vez que de fato comecei a trabalhar com o cinema foi com o curta “Neguinho”, que eu consegui um edital chamado Lab Curtas, que financiava filmes para a galera que produzia na Baixada. Eu nunca tinha tentado nenhum edital na minha vida, mas quando eu vi esse eu resolvi tentar. E, consegui assim produzir o meu primeiro curta.
D.A | Como você encara essas dificuldades de produzir cinema na Baixada? Você acha que estamos evoluindo?
M.V | Eu acredito que finalmente estão ocorrendo muitos editais voltados para a nossa região. Isso é uma vitória. Porque, quase sempre o dinheiro para as produções audiovisuais são mais voltados para a capital, como se aqui em Nova Iguaçu e na Baixada por inteiro não existisse um cenário artístico ou um cenário audiovisual. E, sabemos que é um erro. Esse cenário existe.
A partir do momento que você faz esse fomento com editais e políticas públicas voltadas para a baixada, você estimula esse cenário que é muito rico. No fim, isso é bom para o cinema como um todo, porque isso alimenta outras narrativas. São outras pessoas, contando outras histórias. É algo rico para todos nós. Até aqueles que querem viver de cinema na Baixada e precisam de referências. E, hoje, eu posso dizer que encontro muitas referências desse cinema da Baixada.
Esse cinema da Baixada ele é rico, ele é possível de existir e eu fico muito feliz de esta incluso nesse processo de produção como cineasta e morador daqui. Meus filme são aqui de Nova Iguaçu, foram gravados aqui. E, não é que eu não queira gravar em outro lugar, mas eu acho que eu tenho muitas histórias para serem contadas aqui.
D.A | E como você se sente podendo levar a Baixada para o Brasil inteira, através dos seus filmes?
M.A | Eu acho isso muito forte. Eu me lembro quando teve a exibição do “Neguinho“. A gente gravou ele em Nova Iguaçu e em Japeri. E eu lembro de pessoas de falando coisas tipo: “eu nunca tinha visto Japeri na tela do cinema”. E pensando bem, isso é muito comum entre nós, entre pessoas da Baixada. A gente não vê um filme Brasileiro grande que ocorra na Baixada, na periferia, pelo menos não da forma que a gente realmente conhece. E isso passa uma sensação de que é um lugar que não merece ser mostrado pelo cinema, ou que não é um lugar bonito cinematograficamente. O que para mim é uma mentira. Aqui tem muita potência de história. Aliais, histórias muito mais fortes e relevantes do que as que normalmente são contatadas no nosso cinema.
Eu acho que o nosso cinema a partir de algum momento ele se tornou muito elitizado. A maioria dos filmes que a gente ver são grandes comédias que retratam a vivência de pessoas que moram nos grandes centros, zona sul, algo como novelas, que já está ultrapassado. Já passou da hora de dar voz a outras vertentes.
D.A | Os seus filmes, citando alguns aqui como “Neguinho” e “Deus Não Deixa”, eles abordam questões sociais delicadas. São temáticas como racismo, aceitação, homofobia, entre outras que estão em pauta. Mas, sua abordagem não propões respostas prontas. Seus filmes trazem essas questões provocando a refletir. Essa seria uma marca sua?
M.V | A proposta que eu tenho como realizador é que meu filme seja algo que sobressaia a sala de exibição. Que essas histórias possam ser processadas e refletidas após assistidas. Um dos ganchos que a gente pode usar para isso é deixar o filme em aberto, mas acho que isso não é proposital, nesse (meu) caso. Eu acho que nas minhas histórias não a certo e errado. Acredito que as histórias são profundas e complexas. Seria demais da minha parte dizer que tem um lado que é certo ou outro errado, acredito que é uma coisa muito mais profunda como sociedade.
A reflexão que os filmes levantam mostram muito que a vida é muito mais complexa. E eu tento trazer o realismo. Novamente, não é algo do certo e o errado. Então, posso dizer que é uma característica minha tentar ser realista, porque a vida é isso.
Também há a experiência particular de cada um que assiste. Cada pessoa tem sua vivência particular e cada um vai refletir sobre a história através de suas próprias experiências.
D.A | E essas questões, elas refletem nos personagens. Eles não são pessoas repletas de dilemas. Com você os descreveria?
M.V | Eles são complexos. Porque nós somos complexos. Na vida real todos nós somos assim.
D.A | O que você leva de você para dentro dos seus filmes?
M.V | Acredito que cada filme são partes diferentes de mim. Por exemplo, no “Neguinho“, apesar de eu não ser um cara preto, de não sentir na pele o racismo, eu sou um cara que não sabe conviver com injustiça. E eu acho muito injusto alguém passar por uma situação como a do filme. E, como pessoa, não só na questão do racismo, mas diante de todos as problemáticas sociais, eu acredito que o cinema é um lugar para levar essas discussões. E, quando levo esse debate social, de forma acessível, onde uma pessoa possa assistir e refletir, isso é magia do cinema. E, particularmente eu sempre fui uma pessoa muito crítica e reflexiva sobre esses assuntos. Sobre esses abismos sociais. Afinal, por que existe isso? Por que é assim?
Também acredito que a escola me ajudou muito sobre isso. Estudar história, entender porque chegamos até esse ponto. Ter essa visão crítica sobre as coisas. E eu levo isso para os meus filmes.
D.A | Como você se sente sendo hoje uma das referências para outros jovens e crianças que sonham em um dia realizar cinema na Baixada? Você teve referência de cineastas locais na juventude?
M.V | Eu fico feliz obviamente. A gente que trabalha com cinema quer ser reconhecido, quer que nossa obra seja vista. Ao mesmo tempo, parece algo bem pesado ser uma referência. Mas, a felicidade é maior, porque eu não lembro de ter tido uma grande referência local no cinema.
Outra coisa que também é importante, é mostrar para as pessoas que é possível fazer cinema na baixada. Que é possível você viver disso. Que é possível você criar. Que é possível trabalhar.
Então, se eu sou uma referência, que eu seja uma referência feliz. Que as pessoas possam tirar proveito disso e se sentir inspiradas em fazer cinema, porque isso é muito forte. É muito gratificante você fazer cinema e sentir que seu trabalho impacta outras pessoas.
D.A | O que você busca transmitir quando faz seus filmes?
M.V | Acho que cada trabalho tem uma intenção. Mas eu tento ir sempre por esse lado do pensamento crítico. Porque também acredito que valida uma obra você levar a reflexão dela para fora da sala de cinema.
D.A | Agora um bate e volta:
Filme favorito?
M.V | É um filme afetivo para mim: “Pequena Miss Sunshine”
Diretor favorito?
M.V | Eu não tenho um favorito, mas o Yorgos Lanthimos escolho por ser mais criativo.
Gênero favorito?
M.V | Cinema Nacional.
Um sonho?
M.V | Continuar trabalhando com o cinema e ter uma carreira rentável na área.
Baixada Fluminense em uma palavra:
M.V | Contradição, porque a gente que mora aqui a gente sabe, temos uma relação de amor e ódio por esse lugar. Eu não me vejo longe daqui mas, também tenho muitas críticas a esse lugar.
D.A | Para finalizar, conta pra gente se você tem algum projeto a caminho e com a galera pode te encontrar e saber sobre seus trabalhos?
M.V | Eu acabei de gravar com o EncontrArte Audiovisual o filme “Paçoca“. Ele está em fase de pós-produção. Espero que ele estreie ou no final desse ano, ou no início do ano que vem. E tenho dois outros projetos que pretendo gravar que já estão meio que encaminhados “Exú nas Escolas” e o “Nova Iguaçu x Barra“, são curtas que já estão engatilhados para acontecer. Espero também conseguir espaço nos editais da Paulo Gustavo.
E o pessoal pode me encontrar no meu Instagram, sou bem ativo por lá: @mg.vianna.
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