A angustia que antecede a liberdade

O ser humano sempre será uma incógnita. Isso é um fato! O desequilíbrio que existe entre a razão e a emoção, na vida da maior parte das pessoas, ainda é uma constante indecifrável. Entretanto, algumas de nossas fases podem ser facilmente, ou melhor dizendo, estranhamente, explicadas a partir de nossas atitudes, muitas das quais refletem diretamente o carrossel psicológico que é nossa vida.
Segundo Freud, o pai da psicanálise, o desenvolvimento humano e a constituição da mente explicam-se pela evolução da psicossexualidade. O caminho traçado pela psique humana e seus instintos, muita vezes, se encontra enraizado a momentos específicos capazes de causar diferentes definições de comportamento. Transtornos como esses podem e são enfrentados em fases distintas durante a existência de qualquer ser humano.
O filme “O monstro no Armário”, retrata de forma poética algumas dessas etapas na vida de uma criança que vivencia certos conflitos familiares e cresce defrontando suas próprias escolhas e impulsos, seja essa o sentimento de abandono adquirido após a separação dos pais e/ou o medo dos caminhos que sua sexualidade está prestes a traçar. Isso sem mencionar o constante embate gerado pela angústia, capaz de provocar o mais forte dos apertos no peito, a imensurável dor causada pelo pavor da solidão, a ponto de explodir a qualquer momento.
A história gira em torno de Oscar Medly, um jovem artista que usa a maquiagem e a fotografia como mecanismos para expressar seus sentimentos mais contidos. O seu sonho mais puro é frequentar um disputado curso que escolheu há tempos, mesmo sabendo de suas chances ele decide arriscar todas suas cartas no mesmo. Nesse meio tempo, convive com a separação dos pais, a indiferença com a melhor amiga, um repentino desejo por um colega de trabalho e a falta de controle emocional e mental que acende certas imagens em sua mente. No auge de suas descobertas sexuais, ele precisa aprender a se encontrar em meio a todos os desafios que batem à sua porta e, para isso, passa seus dias desabafando com “Buffy” seu Hamster de estimação.
O filme prova, sem dificuldade alguma, que não é preciso altos recursos para se realizar uma produção de qualidade. Nesse caso, o trabalho de Fraser Ash, Niv Fichman, entre outros, preenche todas lacunas e ainda surpreende quanto sensibilidade e elegância que contexto carrega. Com cada detalhe, muito bem desenvolvido, “closet monster” (título em inglês) acaba por ser um dos melhores filmes presentes na mostra do Festival do Rio 2016.O roteiro, escrito pelo novato Stephen Dunn, é uma mistura de tensão e cumplicidade, idealizada de forma extraordinária. Sem perder o equilíbrio entre uma e outra, a junção acaba por fazer do enredo algo quase perfeito. Minuciosamente elaborada para não conter longos declínios em sua estrutura, a construção da trama cativa facilmente o espectador, envolvendo-o nas diversos questões vividas pela personagem principal diante todos ao seu redor. Além dessa, as demais personagens também foram bem concebidas, enriquecidas com diálogos bem arranjados e linhas de ação que faz cada uma delas crescerem no fluxo, gradativamente, até o ápice do filme.
A direção é do próprio Dunn, e, por alguns momentos, faz lembrar a estética traçada pelo original Nicolas Winding Refn, diretor responsável por “Drive” e o recente “Demônio de Neon”. O uso de enquadramentos precisos para revelar o apelo psíquico, bem como movimentos de câmeras imprecisos, capazes de causar certo nervosismo e ângulos extremamente claustrofóbicos, fazem do filme uma verdadeira obra prima de imagem e som. O diretor também soube brincar com a câmera lenta de forma sensata, instigando ainda mais o público ansioso pela continuidade da história.
Bobby Shore não fica muito atrás, como o braço direito do diretor e responsável pela fotografia realiza um trabalho competente e digno de palmas. A escolha por paletas de cores que variam do quente ao frio em questões de segundos, atiça a memória emotiva de quem está assistindo, fazendo-o se aproximar cada vez mais da personagem, criando a empatia necessária para obra.
Extremamente detalhista, o figurino e direção de arte são pontos a mais para o espetáculo que é o filme canadense. Atuando com perfeição, sem perder a linha de raciocinio da produção, Melanie Oates e Aer Agrey (nessa mesma ordem) conseguem deixar a atmosfera muito mais interessante e pomposa.
A cereja no bolo da proposta, o que faz lembrar ainda mais uma obra de Refn, e nesse caso também um direcionamento ao genial trabalho de David Cronenberg, é a acertada e impactante escolha da trilha sonora que abusa de contrapontos utilizados no eletrônico para aguçar o desejo do público em relação as cenas. A mesma faz o emocional do espectador dançar entre a angústia e o prazer com sabedoria.
Embora seja uma concepção que não venha agradar o grande público, “O monstro no armário” é uma produção que precisa ser apreciada sem moderação. Doravante uma qualidade impressionante para um filme independente, o projeto funciona como um grito de socorro para alertar sinais que podem surgir de dentro de sua própria casa, os quais buscam apoios iminentes que precisam começar a existir e serem aceitos a partir da própria família. Uma obra prima feita com amor e sensibilidade.
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Nossa, acabei de assistir. Simplesmente maravilhoso, emocionante e sensível. Tudo perfeito e os atores são ótimos. Amei!!!