O cinema já mostrou diversas vezes que o mundo real é cheio de acontecimentos tão estranhos quanto a ficção, e uma das últimas adaptações de uma dessas histórias é a comédia “O Rei da Polca”, distribuída pela Netflix e dirigido por Maya Forbes.
A produção conta a história de Jan Lewan (Jack Black), imigrante polonês que quer alcançar o estrelato com seu grupo de polca, que já tem bastante sucesso com a terceira idade no estado de Pensilvânia. Quando os membros da banda começam a demonstrar insatisfação com a suas finanças, Jan decide se aproveitar de seu público e iniciar um negócio fraudulento de investimentos, o que o leva a realizar o seu sonho, mas que também o coloca na mira da polícia.
A substituição do clássico aviso “baseado em fatos” por uma cartela escrito “isso realmente aconteceu” estabelece um senso de humor diferente na produção, porém, desde seu início até o obrigatório final que conta o que aconteceu com cada um dos envolvidos, o filme se mostra coloquial, além de desfocado.
O roteiro é irregular, ao mesmo tempo tendo cenas bem escritas e pontos da trama que saem do nada, como o caso entre o multi-instrumentalista Mickey (Jason Schwartzmann) e a sogra de Jan, Barb (Jacki Weaver), que surge na segunda metade do filme sem qualquer indício nas interações anteriores dos personagens. Além disso, todo o esquema que Lewan arquiteta com os investimentos nunca é claramente explicado e em momento nenhum o enredo passa uma sensação de dificuldade, não importa o quão esdrúxula seja a situação – o protagonista precisa arranjar uma reunião privada do Papa com seu grupo de excursão em cima da hora? É só mostrar alguns planos dele correndo pelas ruas de Roma com uma maleta de dinheiro.
A maior parte da história contada é, de fato, real, mas o tratamento que ela recebe no longa o deixa com o aspecto de “drama óbvio”, com o maior contribuinte sendo alguns dos personagens secundários unilaterais. Enquanto o protagonista e a sua esposa são pessoas complexas e multifacetadas, a sogra tem como sua única caracterização o ódio por Lewan, com todas as suas cenas – e quase todas suas falas – sendo dedicadas a atacar o músico polaco.
Em questão de direção, Maya Forbes faz um trabalho competente. A ganância de Lewan nunca é expressada pela sua aparência amigável, mas sim pelos planos subjetivos que mostram seu olhar fixado no cheque em cima da mesa que um casal de idosos o oferece. Outras escolhas de montagem também são efetivas, como o uso de cartelas e de tela divida mostrando diversas transações simultaneamente, indicando o crescimento rápido da renda ilegal do protagonista.
Para lembrar o telespectador que a história sendo mostrada é real, Forbes utiliza em diversas cenas um plano subjetivo da câmera que Jan contrata para gravar sua banda, com direito a uma razão de aspecto reduzida e a efeitos de lente característicos da época que o longa retrata. Enquanto inicialmente efetivo, essa prática é utilizada demais e logo fica cansativa e distrai do que está acontecendo na cena mais do que ajuda.
Outros momentos também se destacam por não encaixar com o resto do filme, como a sequência de música realizada com tela verde que mais parece um vídeo clipe do que uma cinebiografia. A montagem, porém, acerta em mostrar o contraste entre as facetas de Jan Lewan, com cortes brutos entre os seus momentos de crise no seu escritório entre sua personalidade animada no palco.
Esse contraste também é presente no figurino do personagem, vibrante em seus momentos de extravagancia e mais neutro nas cenas de negócios. De modo parecido, as roupas de Barb durante as reuniões de família geralmente apresentam cores opostas ao que os demais estão usando, enfatizando a sua opinião divergente sobre o protagonista.
As atuações da produção também são um ponto de destaque. Jason Schwartzmann não foge muito de seu personagem habitual, mas representa bem um jovem músico inseguro, assim como Jenny Slate consegue demonstrar bem a personalidade de Marla, a esposa de Jan que cansa de ficar na sombra do marido. Do elenco, o mais problemático é o principal (e também produtor), Jack Black. Por ser um ator caricato, é difícil enxergá-lo como outra pessoa, principalmente por causa do seu modo de falar, que mais parece um quadro de paródia do Saturday Night Live do que uma representação fiel do sotaque do leste-europeu.
Um tema recorrente na trama é a crença do protagonista no “espírito americano” e como ele a usa para justificar seus crimes, o que é quase como uma crítica ao modo de vida estadunidense, visto que Jan fala que “é apenas acreditar para conseguir” enquanto engana e suborna em seu caminho a fama. Isso é tornado ainda mais irônico pela direção de arte, que enfatiza a bandeira dos Estados Unidos nos itens pessoais do personagem.
Enquanto algumas partes do roteiro foram inventadas para a adaptação, a maioria segue os relatos das pessoas envolvidas de modo fiel. Infelizmente, a maneira clichê como todos os elementos são apresentados não só caem em um lugar comum, como tiram a sua credibilidade. Por fim, “O Rei da Polca” é uma história real interessante, mas que não alcança todo o seu potencial e cai para o nível de um drama-comédia genérico.
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