Cowboys franceses, mas nada de Velho oeste
“Os Cowboys” (Les Cowboys) lida com um drama familiar bastante aproveitado no cinema durante as últimas décadas, o desaparecimento de algum parente e a incessante busca por seu reencontro. O Cowboys, aqui, são de uma região interiorana da França, onde o lifestyle americano é comemorado anualmente, através de um evento temático e cultural muito festejado pelos moradores locais. Neste dia, em que deveria apenas servir para festejos, que Kelly (Iliana Zabeth) desaparece.
Todo o clima europeu é extremamente bem aproveitado pela fotografia de Arnaud Potier, através de planos gerais captando o horizonte e o céu característico daquela região da França, somado pela língua francesa misturado ao estilo dos cowboys americanos, é tudo cuidadosamente representado. Passando pela ótima caracterização dos personagens e também pela música Tennesse Waltz, que é tocada algumas vezes durante o filme, trazendo um belo e dramático significado do momento singular pelo qual o personagem de François Damienz vive. Uma mistura cultural dos costumes e da língua, que em nenhum momento se torna forçada, um belo trabalho artístico que só melhora durante o restante da obra.
Interpretado por François, Alain é o pai de Kelly, e acompanhado do filho, Kid (Finnegan Oldfield), partem à sua procura. Porém, é a partir desse momento que o roteiro de Thomas Bidegain, Noé Debré e Laurel Abitbol surpreende pela primeira vez. Alterando inesperadamente a perspectiva dos personagens e o desejo pelo encontro de Kelly, e principalmente por parte do espectador, que ao aguardar por um determinado ritmo da narrativa se depara com uma alteração no rumo da história, mas esta é só a primeira.
A direção de Thomas Bidegain transforma de forma positiva o estilo dramático de todo o filme, provavelmente o seu maior mérito, em cada cena temos alguma informação relevante para a continuidade, mas sem perder a dramaticidade. Um ótimo trabalho para um filme no qual o mesmo diretor também assina o roteiro. Um olhar crítico, porém realista do mundo, a crueldade também está presente, em sua forma psicológica e física. Temos aqui uma direção que deve ser observada, pois este estilo de filme parece ter perdido um pouco da relevância. Uma evolução de conteúdo e forma com certeza virá a ser melhor explorada em outros trabalhos, cabe a Bidegain continuar com estes conceitos.
Outra característica marcante do roteiro encontra-se no contexto histórico vivido pelo mundo naquela época. O filme parte na metade da década de 90, mostrando uma França onde as comunidades árabes e muçulmanas estão presentes, na verdade em boa parte da Europa. Um pouco do preconceito e da instabilidade pelos quais eles passam é revelada sutilmente, mas sem deixar de ter sua importância para o entendimento daquela história. As guerras travadas pelos Estados Unidos também são apresentadas em certo momento e servirão de plano de fundo para o que virá a ser mostrado.
Além de Alain e Kid, a mãe de Kelly, Nicole (Agatha Dronne) parece alheia frente ao desespero do pai. Ela demonstra entender ou aceitar o fato de sua filha sumir sem nenhum motivo aparente. Este conflito gera consequências importantes para o casal, e principalmente para o filho, que sacrifica sua adolescência para junto ao pai, percorrer parte da Europa e Oriente Média ao encontro de Kelly. A atuação do trio familiar é equilibrado, todos se preocupam, mas o dilema de “até onde sou capaz de chegar por isso” é confrontado muitas vezes. Cada personagem absorve a situação de acordo com sua personalidade, e a maneira como Alain e Kid vivenciam estes momentos deixa claro suas diferenças.
A última parte da trama se passa no Oriente Médio, mais especificamente nas regiões próximas a da Síria, e é quando a história se torna mais envolvente, com acontecimentos mais significativos, porém, com o foco totalmente em Kid. Este é mais um acerto do roteiro, uma drástica mudança de localidade necessita também uma drástica mudança no comportamento dos personagens para com seus objetivos. Nessa parte do filme alguns pontos se sobressaem, como a fotografia predominantemente desértica, com o excesso do marrom em tudo que enxergamos. A participação de John C. Reilly também é marcante, como “O Americano”, ele está em algum tipo de missão naquela mesma região e auxilia Kid diversas vezes. A interação entre os dois é muito importante para a imersão da narrativa no contexto do Oriente Médio.
Devido a tudo que acontece durante os 105 minutos de filme, por tantos acontecimentos, reviravoltas e a inserção de novos personagens que poderiam ser melhor aproveitados, concluímos de que facilmente mais 30 minutos poderiam ter sido acrescentados. Um desenvolvimento maior dos personagens, ou mesmo do primeiro ato dariam maior valor para o enredo. Este é o primeiro longa de Thomas Bidegain na direção, um filme que apresenta uma identidade bem definida e única, bom começo para um trabalho sério e que tenta usar estilos conhecidos e transformar sua estrutura para um público mais exigente.
Embora seja um filme de 2015, “Os Cowboys” chegou ao circuito brasileiro apenas em março de 2017 e de forma discreta. Assista ao trailer:
Por Guilherme Santos
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