Vivemos em uma sociedade que tende a separar os indivíduos, seja por meio de muros de fronteiras, pelo individualismo neoliberal, pelo isolamento das redes “antissociais”, pela cor de pele, pela preferência sexual, ou por qualquer tipo de doença psicológica resultante desse novo tempo. Contudo, talvez a principal e mais perigosa forma de separação seja a proporcionada pelas classes sociais. Isso porque, todos aqueles indivíduos enumerados no início, podem estar inseridos em alguma classe menos favorecida, o que pode potencializar situações de conflito. Por exemplo, imagine uma pessoa que possui problemas psicológicos e ainda é constantemente massacrada por uma realidade de miséria e descaso. Há uma boa possibilidade dessa pessoa cometer algum tipo de desvio de conduta como reação.
Esse é um problema de nível global, porém fica difícil, para quem vive em um país de terceiro mundo como Brasil, assimilar a situação de pobreza e de desigualdade social em potências econômicas como a Coreia do Sul, tão louvada por seu alto nível de desenvolvimento. No entanto, lá como cá, a luta de classes é presente e causa enormes injustiças. A fim de mostrar as disparidades entre ricos e pobres de sua nação, Bong Joon-ho fez “Parasita”, que lhe rendeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2019. Prêmio merecido para uma obra crítica e atenta politicamente.
No filme, o espectador segue uma família de golpistas que mora na periferia pobre de Seul. São pai, mãe, filho e filha vivendo em um porão apertado e sem qualquer tipo de conforto. A chance de mudar de vida aparece quando o filho consegue um trabalho de professor de inglês para uma adolescente rica. Conquistando a garota e seus pais, o rapaz vai aos poucos colocando seus parentes para também trabalharem na bela mansão de seus contratantes. Então, seu pai vira motorista, sua irmã professora de arte e sua mãe governanta, mesmo que nenhum deles tenha qualquer tipo de capacitação formal para as funções. Claro que antes é preciso que os atuais ocupantes dos cargos sejam demitidos.Construído como uma história de humor negro, típico de Joon-ho, o longa é pautado por situações cômicas, mas que carregam em seu interior uma aparente tensão, principalmente nos diálogos entre os membros da família pobre com os da família rica. Pequenas demonstrações de preconceito, como os comentários dos patrões sobre o cheiro desagradável que exala dos empregados gera desconforto, iniciando o conflito de classes. Há outros fatores que agravam a situação, que não serão detalhados aqui para evitar spoilers e para não prejudicar as pequenas surpresas da trama.
O que não pode deixar de ser dito é que a narrativa do cineasta coreano alcança a excelência ao definir, em uma sequência brilhante no terceiro ato, o estado desumano pelo qual vivem as pessoas menos abastadas da sociedade. Durante uma chuva torrencial, os golpistas saem da mansão e descem vielas e ruas para chegar em casa, acompanhados pela enxurrada que escorre da parte de cima da cidade e alaga as residências na favela da parte de baixo. Enquanto os incólumes ricos dormem tranquilamente, seus empregados perdem tudo o que possuíam para a água expurgada pelas charmosas ruas superiores.
De fato, a maioria sofre as consequências de um capitalismo descontrolado, enquanto a minoria se mantém confortável em sua ingenuidade quase infantil. Alguns membros da minoria também demonstram certa ingenuidade ao achar que, algum dia, a realidade será alterada e as oportunidades finalmente aparecerão. Infelizmente, são apenas delírios causados pelo enorme sentimento de dor e desamparo que atingem principalmente os mais jovens.
* Filme visto durante a 43ª Mostra de Cinema de São Paulo.
Imagens e Vídeo:Divulgação/Pandora Filmes
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