Assim como vários documentários do gênero “Relatos do Front: Fragmentos de uma História Brasileira”, traz a imagem mais perversa de um sistema que há décadas domina o estado do Rio de Janeiro. Sob a mira do fuzil estão os policiais, estão os bandidos, está toda uma população periférica, está o povo negro.
Contextualizando a criminalização histórica do povo negro, que mesmo após o fim da escravidão continuou as margens da sociedade e até hoje sofre com um preconceito institucionalizado, seja pelo próprio estado ou advindo de dentro das próprias classes sociais, “Relatos do Front” nos apresenta a realidade das favelas, comum a grande parte dos cidadãos.
O incrível é como eu, em primeira pessoa, como crítico de cinema e ao mesmo tempo morador da Baixada Fluminense, apesar de me impactar com as cenas, não me surpreendo com as imagens e a realidade mostrada, pois é comum a mim, e comum a meu convívio. E apesar de ser verdadeiramente importante, um documentário como esse, não impacta diretamente na vida do povo que ele apresenta, para quem está diariamente naquela situação, mas talvez ajude a uma população alienada em suas bolhas sociais a entender o que é a vida periférica, a vida da favela, e mais que tudo, o quão é desvalorizada da vida do povo negro e como isso não ganha as grandes mídias.
E quanto a desvalorização da vida, o documentário é extremamente eficaz ao trazer as duas faces da moeda, o policial que mata e morre, que é pobre e negro da mesma periferia e que mata o próprio povo sob o comando de um estado que ganha votos com a guerra. E em contrapartida o quase sempre negro, da favela, seja ele um traficante que porta o fuzil, ou um mero morador, estudante ou uma criança, que morrem nessa mesma guerra, sem uma perspectiva de futuro. Afinal, o que o estado ganharia oferecendo cultura, educação e tudo mais para essa população? O estado atualmente lucra muito mais com o sistema atual.
O documentário se utiliza dos dados, que trazem em estatísticas a atual conjuntura da violência no estado do Rio de Janeiro, para desmembrar a situação e partir de quem vive o cotidiano traz a visão dos dois lados dessa situação, isso é explicitado com gravações reais, a maior parte dela durante confrontos em favelas, e também com manchetes em forma de áudios de reportagens que trazem um contexto midiático dos fatos ocorrido.
Vale ressaltar que a obra se isenta de imparcialidade e é uma clara crítica ao estado e como são feitas as políticas de combate a violência. E a crítica não se limita a governos recentes, ela busca isso através do contexto histórico de formação da polícia nacional, passando pela ditadura militar até a atual fase democrática, com exceção ao governo vigente.
A trilha insere uma certa dramaticidade ao documentário, e as transições entre cenas através de tomadas aéreas da cidade ficam um pouco sem significado, quando não apresentam a paisagem que realmente implica ao documentário, que seriam as favelas, contudo, nada que prejudique o geral.
A abordagem documental, de Renato Martins, acerta na forma como é construída, acerta nos depoimentos e nas escolhas de como a montagem das cenas foram trazidas, iniciando com a visão de cada lado separadamente, em seguida uma leitura especializada (que incomoda um pouco por ser uma leitura de especialistas que claramente não vivem o cotidiano da favela e são brancos em maioria), e posteriormente com pessoas que vivem o cotidiano de forma ativista em misto com aqueles que também vivem o mesmo cotidiano mas que sofreram consequências dessa violência.
Como um retrato real do Rio de Janeiro, e um reflexo de um país como inteiro, “Relatos do Front” deve ser assistido e gerar a reflexão, principalmente para a parcela da população que apoia essa política de confronto ou aqueles que acreditam que uma arma em casa vai resolver os problemas da violência no país.
Imagem e Vídeo: Divulgação/Art House
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