A Rússia é um dos países com cultura mais singular e interessante do mundo, porém também é um local que carrega consigo uma infinidade de esteriótipos pelos quais boa parte do mundo a vê. Muito disso se deu através de construção ao londo dos anos por conta da Guerra Fria, e anteriormente, da Revolução Russa, episódios fundamentais para entender como o país é da forma que é. Sendo tão influenciados pela cultura norte-americana, é menos frequente que obras russas obtenham grande popularidade fora dela, com algumas exceções. Pensa-se logo na literatura, com Tolstói ou Dostoiévski e até mesmo no ballet, mas e quanto ao cinema russo?
Exibido na mostra “Um Certo Olhar”, dentro do Festival de Cannes, “Uma Mulher Grande” leva para as telas uma história fundamentalmente russa vista pelos olhos de quem dela é originário. O filme trata de temas muito delicados em um momento de muita relevância dentro da história contemporânea, é a trajetória de duas mulheres no pós-segunda guerra mundial, tentando reconstituir suas vidas na atual São Petersburgo. O que primeiro chama a atenção, portanto, é o atencioso design de produção que entrega impecável representação daquilo que era São Petesburgo, nas ruas mas, principalmente, nos ambientes fechados. Essa é uma trama intimista, no fim das contas, e é nos espaços privados e de menor escala que “Uma Mulher Grande” encontra seu maior interesse.
Não à toa, o diretor Kantemir Balagov utiliza o tempo todo de planos fechados muito próximo ao rosto dos personagens e evidenciando suas interações. Vale acrescentar que tal recurso acaba funcionando também no sentido de gerar claustrofobia e angustia, sentimentos que parecem pautar “Uma Mulher Grande” quase o tempo todo. Na maior parte das vezes, os movimentos de câmera são sutis, ou nem mesmo existem, fazendo com que o impacto seja trazido em peso pelas atuações e pela força dos diálogos estabelecidos. Diálogos esses que são bem escritos, provocativos e que não subestimam o espetador, constituindo texto orgânico que eleva as questões colocadas no longa por meio de sua linguagem audiovisual. Todo o roteiro, na realidade, é bem amarrado e vai se desenrolando de modo calmo, ainda que muito eficiente, o que afere tom de realismo para a obra e dá ritmo necessário para ela, ainda que parte do público possa acusá-la de ser vagarosa ou característica similar.
Importante ainda mencionar o trabalho de fotografia realizado aqui, que propõe ótimo contraste de luz e sombras, inclusive a partir do uso de luz natural. Não apenas funciona por ser esteticamente bonito como corrobora para o clima de peso dramático que existe durante toda projeção. As cores, por outro lado, também possuem papel fundamental porque a relação entre as personagens principais, grande foco de “Uma Grande Mulher”, é estabelecida por elas. Enquanto vermelho simboliza uma e verde simboliza a outra, o modo com o qual essas cores vão aparecendo e coexistindo é revelador ao que tange a relação das duas e os rumos que essa mesma relação vai tomando durante o filme. Enquanto o vermelho ilustra a esperança e o otimismo que ainda existem em Masha, o verde fosco de Iya se dá para refletir sua melancolia e pouca expectativa que coloca em seu futuro. É nessa dinâmica de diferenças que o filme acha seu coração e que melhor trabalha.
Mesmo com pesado drama e densas questões abordadas, “Uma Grande Mulher” é uma obra como poucas. Possui sensibilidade acima da média para discutir suas temáticas centrais e faz isso com minuciosa e concisa abordagem, sem necessitar de virtuosismo técnico ou de recursos que impressionem pela sua grandiosidade. Mesmo que também aborde o estado de espírito de uma Rússia que acabou de sair da guerra, o foco aqui é nessa dupla de mulheres e seu mundo. Mais do que discutir como a Rússia depois de 1945 se encontra, culturalmente ou economicamente, “Uma Grande Mulher” busca saber como duas pessoas se encontravam naquele momento e como pretendiam levar suas vidas, se recuperando de traumas do passado e tendo que lidar com questões do presente.
Imagens e Vídeo: SUPO MUNGAM FILMS
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