Não é fato recente de que o cinema, tanto no Brasil como no mundo, reflete questões sociais e políticas de seu tempo. O Cinema Novo, por exemplo, se relaciona com a ditadura militar se tornando espécie de resposta à ela, ainda que essa não fosse sua única proposta. De todo modo, não havia como discussões que se referiam à realidade política brasileira, como Glauber Rocha fez em seu “Terra em Transe” não tratarem, em maior ou menor grau, do cenário estabelecido pós-1964. Nos últimos anos, porém, o mesmo vem acontecendo dados eventos bastante agitados no Brasil desde 2013. Documentários como “Junho” ou “O Processo” tratam desse tipo de temática de forma mais escancarada, calcados na realidade, enquanto outros como o badalado “Bacurau” se pautaram na ficção para passar sua mensagem. “Piedade” é o novo trabalho de Claudio Assis e é impossível vê-lo fora desse segundo grupo mencionado. É um longa-metragem interessado do princípio ao fim no recado que quer dar para sua audiência.
Diferente do que Kleber Mendonça Filho fez ainda esse ano, Claudio Assis opta por manter os pés na realidade e apresentar um drama mais tradicional. Não há, portanto, apelo à violência ou elementos de western como em Bacurau, ainda que a comparação vá ser feita invariavelmente pelo público. Assis busca pela discussão centrada na resistência e na especulação imobiliária do capitalismo exacerbado, o que nos faz lembrar de “Aquarius”, com um drama familiar. O diretor busca intercalar e entrelaçar as duas questões, mostrando-as como indissociáveis, e abrangendo as instâncias que debates econômicos e sociais podem chegar. A família dona do pequeno estabelecimento comercial em Piedade é a protagonista, e não toda uma cidade, como no caso de Bacurau. O olhar para uma escala menor proporciona outro olhar e outro foco que também são interessantes e que são possíveis de trabalhar, por mais que “Piedade” sofra um pouco para estabelecer o que pretende. Suas intenções são claras desde o início, mas o mesmo não pode ser dito do meio pelo qual os realizadores pretendem alcançá-las.
O que fragiliza ainda mais a obra é seu elenco, que tem em Fernanda Montenegro o maior pilar e a maior força, e que entretanto encontra figuras caricatas e mal exploradas nos outros personagens. O vilão, gay e pouco desenvolvido é um exemplo disso, bem como a maioria dos integrantes da família dos protagonistas. Não seria de fácil execução, mas trabalhar melhor o drama dessa família e encaixá-la bem dentro das discussões maiores que eram pretendidas teria sido o ideal e nem se passa perto disso. Em partes, por conta do roteiro e em outras por conta do elenco e da direção.
“Piedade” possui discurso poderoso, mas poderia torná-lo ainda mais intenso e volumoso se tivesse sido melhor realizado. Deve ser assistido dado momento atual e a importância daquilo que aparece em tela, mas fica nas sombras de outros títulos do cinema nacional que vem falando as mesmas coisas com muito mais qualidade.
Imagens e Vídeo: Divulgação/República Pureza Filmes
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