
O crítico Jean-Luc Godard, após escrever para a mítica Cahiers du Cinéma, decidiu fazer seus próprios filmes. Com os outros colegas (Agnès Varda, Claude Chabrol, François Truffaut, Éric Rohmer e Jacques Rivette) fundou o movimento que marcou o cinema francês e o mundial: a Nouvelle Vague. Godard começou sua carreira cinematográfica com “Acossado”, de 1960 e não parou desde então. Depois, logo após a estreia com sucesso atrás das câmeras, ele começou uma parceria duradoura com Anna Karina – a musa da Nouvelle Vague – no fenomenal “Uma Mulher É Uma Mulher”, de 1961.
A trama do longa é bem simples: Angela (Karina) quer ter um filho com o companheiro, Émile (Jean-Claude Brialy), com quem vive em Paris. O problema é que o rapaz diz a ela que é melhor esperarem. Não é a hora para ter um filho! Com a recusa, Angela vê no amigo Alfred (Jean-Paul Belmondo) – que é atraído por ela – o candidato para engravidá-la. O que a impede de consumar o ato é o amor que sente por Émile. O triangulo amoroso que é formado a partir daí poderia ser bem banal se estivesse nas mãos de outro cineasta. Godard, no entanto, o transforma em uma colcha de retalhos (no melhor sentido do termo), que mistura musical, ópera, drama e comédia.

O filme é quase um experimento para o cineasta, que usa todas as técnicas possíveis de edição, movimento de câmera e som disponíveis à época. A quarta parede é constantemente quebrada, como se os intérpretes estivem falando com o diretor ao ensaiarem as cenas, ou mesmo com algumas piscadelas de cumplicidade. Enquanto os atores interpretam teatralmente seus papeis, a música é quase constante, às vezes pontuando momentos importantes estridentemente, como nas óperas. Tudo isso recortado pela edição ágil de Agnès Guillemot e Lila Herman, que brincam com o surrealismo quando fazem a protagonista entrar seminua de um lado de uma cortina e sair instantaneamente vestida do outro lado, ou quando essa mesma protagonista lança um ovo frito da frigideira para o teto, sai do apartamento para atender um telefone na vizinha, volta e apanha o ovo diretamente em seu prato quando ele cai, como se o tempo fosse condensado misteriosamente.
Além desses, ainda há os artifícios que Godard usa para expor a falta de comunicação entre o casal, como o fato de usarem os títulos de livros para montar as palavras que expressam os seus sentimentos em “discussões” silenciosas antes de dormir, ao invés de simplesmente falarem um com o outro, e os balbucios quando brigam durante o escovar de dentes. A lista de momentos como esses é enorme em maior e em menor complexidade, mas parece que a função deles é clara: fazer com que os homens da história sejam influenciados pelo poder feminino, que pretende atingir seus propósitos por meio da manipulação. Então, enquanto ela manipula seus pretendentes, os seus cúmplices por trás das câmeras fazem o mesmo com os espectadores.
A mulher é, talvez, o tema principal do filme, mas a confecção deste não pretende entregar nada de mão beijada, fazendo com que cada frame possua significados diversos. No final, há um brilhante paradoxo entre o realismo – as imagens são quase documentais, filmadas nas ruas e não em cenários – e a fantasia típica do cinema feito em Hollywood, já que a irrealidade está estampada nos diálogos, nas atitudes dos personagens e nas respostas que recebem do universo diegético. Obra Prima!
Vídeo e Imagens: Divulgação
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