Um grupo de jovens atravessa, em sua Kombi, uma área rural e deserta, enquanto escutam rock and roll na rádio, fumam um baseado em conjunto e contam anedotas sobre seu passado, sem saber que um perigo inimaginável os espera em seu destino. Se é assim que já começaram inúmeros filmes de terror, é assim que também se inicia a história do argentino “What The Waters Left Behind”, uma homenagem não muito sútil ao gênero slasher que foi produzida em 2017, mas que parece estar pelo menos uns 10 anos atrasada no mercado.
A trama tem como cenário a cidade real argentina Villa Epecuén que reapareceu após 25 anos debaixo d’água, calamidade causada por uma inundação em 1985, e hoje em dia existe apenas na forma de ruínas desertas. A ficção começa quando um grupo de seis amigos decide se aventurar pelos restos do local para gravar um documentário sobre sua história, narrado por Carla (Victoria Maurette), que morou na vila quando criança. O grupo, completado pelo diretor Vasco (Damian Dreizek), sua namorada Vicky (Paula Sartor), a operadora de câmera Erica (Paula Brasca), o fanfarrão Nacho (Victoria D’Alessandro) e o introvertido Diego (Agustin Pardella), logo se depara com dificuldades inesperadas, que vêm na forma de um grupo misterioso de homens mascarados que têm como objetivo aparente assassinar todos que entram em seu território.
Com uma premissa que se foca em uma equipe que grava um documentário, é uma surpresa que o longa não seja gravado como um found footage, gênero que, apesar de apresentar bons filmes, é geralmente associado a produções preguiçosas. Ao invés disso, a direção dos irmãos Onetti decide aproveitar de seu cenário priorizando planos gerais e zenitais que demonstram a melancolia das ruínas do vilarejo, crédito que também deve ser dado para a fotografia, que se mantém suja e ofuscada como a de “O Massacre da Serra Elétrica” (1974).
Porém, onde a dupla de diretores acertam em criar uma atmosfera, eles também erram no modo como filmam seus personagens, principalmente como tratam as mulheres como objetos de cena. Chega a ser constrangedor a representação de uma das integrantes do grupo, estabelecida como lésbica, em uma cena que sensualiza com uma amiga de um modo tão exagerado – com direito a “música sensual” tocando ao fundo – que poderia muito bem ser uma sátira, se o longa não se levasse a sério pelo restante de sua duração.
Não é só nessa ocasião que músicas inapropriadas invadem as faixas de áudio, mas esse não é o pior problema do longa, cuja montagem é confusa ao ponto da incompreensibilidade. Várias cenas terminam com ganchos que são esquecidos logo depois, e em certo momento é difícil acompanhar o que está acontecendo com cada personagem pois cada vez que aparecem na tela estão em uma situação completamente diferente da última em que se encontravam. A sensação que permanece é a de que pedaços importantes do longa foram cortados, sem substituição.
Isso sem falar de recursos que mais distraem do que acrescentam, como é o caso de uma sequência de irritantes freeze-frames, que pausam a ação com um som agudo e um filtro vermelho, aparentemente sem nenhum objetivo. Essa montagem problemática acaba prejudicando também o bom trabalho de efeitos visuais, que em sua maioria são práticos e convincentes, mas que quase não são vistos na edição final.
Porém, a ruína da produção, com perdão do trocadilho, é o seu roteiro simplista. Em uma época onde clichês do terror são cada vez mais desconstruídos, o longa parece tentar fazer todos eles do modo mais direto, desde o grupo de jovens caricatos que sofrem mortes horríveis, o posto de gasolina macabro onde eles inevitavelmente devem parar, o grupo de assassinos “caipiras” mascarados e, é claro, uma reviravolta estúpida no final que tira o pouco de sentido que o filme ainda tinha.
Se for para descrever “What The Waters Left Behind”, uma boa definição seria “O Massacre da Serra Elétrica Argentino”, porém, o longa que é referido aqui não é o clássico de Tobe Hooper, mas sim o remake duvidoso realizado pela produtora do Michael Bay em 2003. Se o filme tivesse sido lançado na última década, seria passável, mas nos tempos atuais ele é só um terror trash datado.
“What The Waters Left Behind” está disponível na Netflix.
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