De Volta aos 15 mostra potência do audiovisual brasileiro
Série brasileira retornou para terceira e última temporada nesse 21 de agosto, trazendo muita nostalgia e coração quentinho em para finale com tudo novo, menos a velha sensação de coração quentinho. Leia nossa crítica, sem spoilers, sobre “De Volta aos 15”, disponível na Netflix.
De volta aos… dezoito?
Após apagar sua conta no Floguinho, Anita acreditava que se veria livre de uma vez por todas da bagunça que é se meter com viagem no tempo, apenas para seu ledo engano. A garota é teletransportada para seu primeiro ano de faculdade, na Universidade Federal de Cafezinho, onde todos seus velhos amigos (e nem tão amigos assim) seguem para mais anos de aventuras.
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A série se fecha, portanto, em três grandes arcos: um primeiro com a descoberta da sua individualidade, o segundo sobre luto, e agora um terceiro sobre confiança (em si, no outro, no tempo), amarrando os últimos dois — não necessariamente se resumindo a esses três pontos. Em retroanálise, a última temporada foi competente de trazer a essência da série e dar um fim digno e no momento certo, sem que o percurso tenha sido essas mil maravilhas.
Na sua proposta de retratar uma fase de importantes transformações, há de se esperar que a chave narrativa mude drasticamente, e até algum ponto isso é verdade, contudo, para felicidade dos fãs, não se perdeu de vista aquilo que estava em seu núcleo, mas já vamos falar um pouco melhor disso.
Por outro lado, existe sim uma mudança de tom, aqui também necessária para o amadurecimento dos personagens e da série. Anita (Maísa Silva) não tem mais quinze anos, nem seus amigos, e o amor não é mais tão pueril quanto uma paixão de ensino médio — muito embora, com excelente tato, sexo nunca foi tratado como um tabu para o texto da série.
Lost in translation
Para dinamitar um aparente beco sem saída é preciso de um olhar muito consciente de uma equipe para a série; seria fácil se perder do que faz “De Volta aos 15” especial nessa nova fase. Afinal, seria o apelo à nostalgia, o dito “quentinho no coração”, uma trama à folhetim policialesco, ou a autenticidade da série?
É um pouco disso tudo. A fictícia Cidade de Imperatriz, oásis de um 2006 idílico, dá lugar à Universidade Federal de Cafezinho em 2009, igualmente um santuário no tempo. Isto porque, através dos olhos da protagonista, a experiência da juventude revivida é um pouco mais mágica, e brilha pelos detalhes.
Idílicos, mas imperfeitos, ou quase. A série busca oferecer uma realidade brasileira promédia em meados dos anos 2000, através de uma pacata cidade do interior mineiro, no que convence e mantém o telespectador suspenso na descrença — apesar de nem sempre as referências serem inseridas de forma tão orgânica.
Em #DV15 se optou por oferecer o contraponto de uma realidade dura, mas que ainda assim soa ao mesmo tempo quase plástica, da adolescência LGBT em 2006, e não tem nada de errado nisso — quando nosso mundo é duro demais, a ficção oferece um refúgio e a imaginação de um mundo que pode vir a ser.
O mesmo se faz válido para as improváveis, porém maravilhosas, cenas de fanservice em que se entrega o que um telespectador de 2024 desejaria fazer se estivesse no lugar das meninas da República das Imperatrizes. E tudo isso poderia soar apenas um exagero estético, como em “Vingadores: Ultimato”, porém, com um elenco tão em sintonia com seus personagens, por sua vez tão gostáveis, é de se querer também voltar no tempo (mesmo sendo um gen Z!); é a maestria em criar saudade pelo que não se viveu.
É evidente que parte disso se perde na hora da tradução, tanto pela barreira idiomática pela cultural. Fica esta como uma nota de rodapé: apesar do sucesso da série a nível mundial, demonstrando que ela não depende (mas ganha muita força) com sua brasilidade, boa parte das versões ao exterior (inglês [sobretudo], espanhol, italiano, japonês) não foram tão exímias assim em adaptar o bom humor da série; uma pena!
Pé no freio
Escrita a tantas mãos, é de se surpreender, sem exageros, que “De Volta aos 15”, com viagem no tempo, e tantos personagens de destaque, seja tão redondinha. Os comentários elogiosos feitos ao elenco seguem por aqui, com destaque para Anita (Maísa Silva), que, apesar das críticas feitas nas redes sociais, entrega o que a personagem se propõe, bem como sua contraparte futura (Camila Queiroz).
Outro destaque positivo é o de sua prima, Carol (Klara Castanho), que teve uma excelente evolução e sustentou com carisma e atuação sua transição à jovem adulta. Sua trama na terceira temporada, contudo, é bem menos interessante e deixada para os quarenta e cinco do segundo tempo — Henrique (Caio Cabral) foi deixado de escanteio no momento certo, tendo o próprio arco praticamente ancerrado — ao que a personagem torna-se muleta narrativa de Camila (Nila), que teve um desenvolvimento importante nessa temporada, mas deixa muito a desejar pela carga dramática exigida, diferente de sua contraparte adulta (Alice Marcone), que aqui é uma das principais da temporada.
Falando do elenco masculino, não necessariamente há de se verificar personagens muito dimensionais, a dizer Henrique, Fabrício (João Guilherme), Eduardo (Gabriel Wiedemann). Joel (Antônio Carrara), é uma brilhante exceção, e de se questionar do porquê não tenha recebido tanta atenção durante essa temporada.
Não que outras personagens de apoio, como Bruna (Dora Freind) e a treinadora Lúcia (Livia La Gatto), sejam a epítome da profundidade, ou que “se busque um Dostoiévski” (palavras de Camila) numa série teen, mas pelo destaque que os personagens recebem torna-os astros de pouco brilho próprio nesse sistema interplanetário em torno de Anita.
A introdução da nova personagem, Filipa (Larissa Manoela) traz um retrogosto muito peculiar à narrativa. Não há de se questionar o bom trabalho da atriz em viver essa garota tão misteriosa, mas pelo próprio desenvolvimento da série a sua caracterização ficou subaproveitada, dado o fechamento nos últimos cinco minutos de tela.
Orgulho brazuca
Não tem como não se deixar levar sem se encantar pelo universo idealizado por Bruna Vieira, e aqui tratado com tanto respeito. Das cenas gravadas em Bananal/SP, até na FAU/USP, há um cuidado com a caracterização de personagens indo até o cenário, o que mostra comprometimento com autenticidade e brasilidade que a direção se propôs.
Seu sucesso, que não deve ser medido apenas em números, mostra o poder do audiovisual brasileiro em produzir e exportar histórias para todos os públicos, e o público jovem pode não saber, mas tem fome de conteúdo de qualidade voltada a sua faixa etária como “De Volta aos 15”.
Como comentado, seu final foi no mínimo espremido e condensado para ansiedade do próprio público; não precisava. Foi, no entanto, gostando ou não do romance final de Anita, um final certo, na hora certa, e que empolga pelos detalhes de uma jornada de se dar um banho em qualquer enlatado estadunidense feito para adolescentes.
Imagem Destacada: Divulgação/Vans Bumbeers/Netflix
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