Musical documental se inspira no show “A Cena Muda”, de Maria Bethânia, abordando o que não mudou nos últimos 50 anos
Em 1974, Maria Bethânia concebeu o ousado e intenso show “A Cena Muda”. Seu protesto contra a censura da Ditadura Civil-Militar no Brasil vem já com a ambiguidade do título, que indica tanto o desejo geral de mudança quanto a ausência de falas e leitura de textos entre as canções, já que não se podia falar. Em 2024, o musical documental “A Cena (Não) Muda” resgata um pouco desse período para revelar que a opressão persiste 50 anos após o show de Bethânia, sobretudo se você é uma mulher negra e periférica.
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Um espetáculo na trilha da opressão
O roteiro original de Pedro Henrique Lopes faz uma costura muito inteligente do caminho da opressão no intervalo de 50 anos entre o antológico show de Maria Bethânia até os dias de hoje. O principal acerto é a abordagem da opressão como uma herança perversa, transferida da perseguição à classe artística para a população em situação de vulnerabilidade, especialmente as mulheres negras periféricas. Outro ponto que engrandece o espetáculo é a sensibilidade e o respeito com as questões femininas, ainda que o autor não se enquadre no lugar de falas das mulheres retratadas.
A direção de Diego Morais converge a potência das três atrizes para narrar a barbárie da violência diária com momentos de ternura e amor das mães e filhas. As transições entre esses momentos são conduzidos com maestria pela música de Guilherme Borges, que evidencia nossa perplexidade e impotência diante de um cenário que insiste em não mudar. Ainda que a proposta seja um musical documental que se compromete com um tratamento digno à memória das mulheres retratadas, há que se criticar a ausência de algum elemento coreográfico. Uma boa coreografia, se concebida com criatividade, contribuiria para engrandecer ainda mais o trabalho da direção e da atuação do trio de atrizes.
Atrizes convocam para ação através dos afetos
Valéria Barcellos, Sarah Chaves e Hiane Neves encenam mulheres que pagaram o preço da negligência e da opressão do estado com a própria vida e suas mães, que lutaram e ainda lutam por justiça. Elas olham nos olhos do público, convidam a pensar e tocam fundo na alma. Através das histórias de mulheres como Luana Barbosa dos Reis Santos, Cláudia Silva Ferreira, Ágatha Félix, Kathlen Romeu e Ieda Santos Delgado, as atrizes estimulam uma construção coletiva do pensamento crítico através dos afetos. Ao final, o enérgico pedido para não esquecermos essas vidas nos faz sair do teatro com uma imensa vontade de agir.
Por fim, “A Cena (Não) Muda” é um espetáculo que aposta no resgate de memórias, emoções e sensações pela ótica de mães que perderam suas filhas. Para pensarmos o legado de violência e repressão deixado pelos anos de chumbo (1968-1974) da Ditadura Civil-Militar, e fazer a cena de fato mudar, a principal atitude que devemos ter é não esquecer. Pois “Apesar de Você”, amanhã precisa ser outro dia.
Imagem Destacada: Divulgação/A Cena (Não) Muda (Crédito: Junior Mandriola)
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