E se Maria, aquela da Bíblia, fosse uma de nós? No espetáculo “Em Nome da Mãe”, Suzana Nascimento propõe uma ressignificação da história dessa mulher tão importante para os seguidores das religiões cristãs. Na dramaturgia e atuação de Suzana, a existência de Maria de Nazaré se revela como um grande paradoxo: é uma das mulheres mais conhecidas da história, mas que ao mesmo tempo pouco se sabe sobre sua vida. Confira a seguir a crítica do espetáculo:
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A partir do texto homônimo de Erri de Lucca, Suzana Nascimento propõe ver a trajetória de Maria de Nazaré (ou Miriam, nome hebraico de Maria) por uma perspectiva além da religiosa, que é a da realidade íntima e apagada, não apenas dessa mulher, mas de tantas meninas-mulheres que precisam lidar com a opressão de uma sociedade até hoje machista e patriarcal.
“Em Nome da Mãe” é uma confluência de vivências femininas
O mais interessante do espetáculo construído pela atriz e dramaturga é certamente a costura que faz com diversas questões cruciais para as mulheres de qualquer tempo, como o apagamento, o cerceamento das ações, o ideal de perfeição que nos faz silenciar diante de abusos e de condições específicas do exercício da feminilidade. Nessa costura, Suzana usa como fio reflexões e fatos sobre sua própria existência, seus anseios e questões que em muito se assemelha a de tantas mulheres.
Para além de sua brilhante construção conceitual, Suzana conduz o monólogo, partilha, e insere o público e a equipe de produção como agentes ativos na experiência que propõe. Ao contar fatos de sua infância e adolescência, como o relato da primeira vez que viu o mar ou quando partilha o Pão de Jesus com os presentes, somos convidados a evocar afetos e elementos de nossa própria história. Há os momentos leves, onde usa linguagem atual para recriar como teria sido a fofoca sobre a gravidez de uma mulher não casada em Nazaré. Mas também há momentos de intensidade dramática e poética, capazes de desconcertar os homens e angustiar as mulheres.
Marilia fora do altar virginal
A cena que mais me impactou enquanto mulher, que não é mãe e nem casada, certamente é a do parto de Yeshua, nome hebraico de Jesus. A beleza lírica das dores e angústias do momento mais importante de sua vida, promove a conexão com a mãe sem a narrativa da divindade construída pelos homens que contaram sua história. É um momento de dor física e demonstração de força, de temer a incerteza e ao mesmo tempo esperar que o filho seja o que sempre sonhou, ainda que saiba que não desfrutará de sua companhia já ao amanhecer. A imersão nesse universo é potencializada pela direção sensível de Miwa Yanagizawa que abraça a atuação de Suzana, se apropriando de uma estética quase audiovisual para a composição de um universo rico, porém negligenciado pela sociedade.
Por fim, Suzana Nascimento ainda nos brinda com a exposição “No Princípio Era a Mulher”, na qual Suzana apresenta uma coleção de bordados em folhas de árvore, coletadas pela artista em diferentes cidades por onde passou. O espetáculo e a exposição refletem a urgência de pensar no resgate da humanidade da mulher, que ainda hoje se encontra diante da opressão do patriarcado.
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