Esse ano, a São Paulo Fashion Week recebeu na passarela a linha de roupas lançada por Emicida. E porquê estamos falando de moda na coluna de música? Porque a SPFW não recebeu uma visão padronizada e tradicional de elegância e moda. Há uma hegemonia de modelos brancos nas passarelas e o rapper, que em suas músicas luta na direção contrária aos padrões que há anos engolimos goela abaixo.
A 42º edição do SPFW pôde servir como “lição de casa” pra muita gente, ainda. Emicida em toda sua história de contribuição para a música, é um exemplo de representatividade. Em muitas de suas rimas, ouvimos um cantor, uma verdadeira voz amplificada dos jovens negros que crescem nas periferias, falar das dificuldades, os preconceitos, fruto da ignorância depositada na nossa sociedade há centenas de anos. Emicida vai além das músicas e com muita propriedade chega no cenário da moda para também quebrar paradigmas desajustados. 90% dos modelos que desfilaram sua grife foram negros e contamos também com modelos gordos ou “plus size”, algo que vai totalmente contra os padrões de modelos que foram construídos. No intuito de que cada vez mais pessoas abram seus olhos e aprendam a enxergar beleza muito além daquilo que se dita. Quem não escuta o que o rapper canta em seus raps, viu na passarela um pedaço do que ele tem a dizer e ensinar também. A direção criativa é de João Pimenta. “Fiz com a passarela o que eles fez com a cadeia e com a favela, enchi de preto “, cantou Emicida durante o desfile de sua grife. Representatividade importantíssima em um cenário que ainda passa um preconceito ao eleger modelos com os mesmos traços, tamanhos, deixando muita beleza passar desapercebida e ainda ser alvo de preconceitos.
Em outra ocasião, a grife Farm lançou uma coleção de roupas no final de 2014 se inspirando e homenageando a cultura afro, porém ao lançar seu novo trabalho, representando a minoria, só usou modelos brancas. Um impasse na proposta que queriam vender e na forma como apresentaram a mesma. Emicida explanou sua opinião: Usar a cultura afro como base de criação e elemento de autenticidade sempre. Empregar modelos negros nunca.
Tendo dito isto, levou pra frente seus desenhos e criações e mostrou na passarela uma forma de homenagear e representar a cultura afro, sem contradições.
Emicida nasceu em São Paulo em 1985. Começou sua carreira logo cedo compondo suas rimas e participando de batalhas de improvisação. Inclusive mostrou seu talento com muita maestria nas batalhas de rimas levando seu trabalho para além das rodas e batalhas, chegando a mídia. Em sua primeira mixtape gravada no ano de 2009, “Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe…”, Emicida rima as dificuldades diárias no cotidiano do cidadão negro, pobre, da periferia brasileira. Essa temática perpassa todos os CD’s mixtapes e EP’s lançados pelo rapper, mostrando seu compromisso em levar adiante a realidade de preconceito e descriminação que ninguém vê, ninguém quer saber e está longe do glamour exaltado pela mídia.
Seu último CD lançado, “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa…”, foi enriquecido pela viagem que Emicida fez em Angola e Cabo Verde. Neste álbum, suas poesias nos mostram a dura realidade da luta de classes e o racismo. Como acontece e qual é o resultado disso na vida de quem é alvo da desigualdade. Na música “Mãe”, que abre o álbum, a poesia chega a nós numa mistura de beats, com um som de piano que é presença marcante na melodia. E essa poesia que chega, nos conta uma realidade, uma mulher pobre que cria seus filhos sozinha, lidando com dificuldades várias e mesmo assim encontrando força pra seguir. Uma realidade, duas, três, quatro, cinco, milhares. Mulheres, sozinhas, descriminadas pela própria sociedade em que vivem. “Moça, de onde cê tirava força?”, é o questionamento pertinente feito por Emicida nessa música. Logo então, temos “Boa Esperança” que ganhou um clipe, muito impactante por sinal, que expõe a luta da classe trabalhadora que limpa o chão, junta o lixo, faz o trabalho pesado ainda é tratado como se não tivessem os mesmos direitos. A senzala no século 21 que segue sendo retratada na narração da faixa “Trabalhadores do Brasil”.
O mesmo comprometimento que permeia sua carreira em denunciar e lutar contra o racismo opressor, é retratado duramente no clipe da faixa “Chapa”. O clipe conta com a participação de mães, do movimento Mães de Maio, que tiveram filhos mortos em ações da polícia militar, com alegações como “resistência seguida de morte” ou “morte sob intervenção policial”, sem prever regras para investigar o uso de força nesses casos. O número de negros mortos em ações policiais é de 61%. Em sua maior parte, jovens. “Chapa” retrata a saudade causada pela morte sem explicação justa, retrato das nossas favelas, periferias, asfalto, cidade como um todo.
Representatividade no cenário musical? Têm. Na moda? Tem também!
Por Letycia Miranda
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