O mineiro, Amaury Lorenzo é ator, roteirista, diretor, dançarino, professor, um multi artista e falou um pouco para gente sobre sua história, a arte e as mudanças que a pandemia trouxe
Ser múltiplo em suas áreas de atuação é o grande destaque de Amaury Lorenzo. Apesar de ter apenas 35 anos, o ator, roteirista, bailarino, coreografo, entre outros. já possui uma longa história artística, que começou quando ele tinha apenas 8 anos, através da dança, e logo seguiu para o teatro. Amaury é mineiro e se formou na Royal Academy Dance Brasil. Ele já atuou em inúmeras peças teatrais e, recentemente participou de novelas da Globo, como “A Dona do Pedaço” e “Bom Sucesso”. Agora, na Record TV, Amaury estreia na fase pós-pandemia da novela “Amor sem Igual”, como segurança do personagem Tobias (Thiago Rodrigues).
Amaury bateu um papo com a Woo! Magazine sobre arte, pandemia e seus trabalhos. Confira abaixo como foi essa entrevista:
Dan Andrade: Como você começou a sua carreira? E de onde veio o seu gosto pela arte?
Amaury Lorenzo: Eu comecei a minha carreira com 8 anos. Sou de uma cidade chamada Congonhas, do interior de Minas Gerais, cidade dos profetas, do Aleijadinho, do minério, uma cidade histórica do ouro, e lá, após eu assistir um filme, eu pedi aos meus pais para fazer aula de dança (até hoje eu não me lembro qual filme foi esse). Meus pais me levaram, com 8 anos de idade para aula de dança na cidade. Então eu fui fazer essa primeira aula, uma aula de Jazz e não gostei muito. A professora disse que tinha aula de balé clássico e pediu para meus pais me levarem que talvez eu fosse gostar. Minha mãe me levou no outro dia, desde então eu não parei mais. Dessa forma, comecei a estudar dança com 8 anos e com 15 eu já estava formado. Foi quando eu fui para o Rio de Janeiro e comecei a trabalhar profissionalmente nas companhias de dança. Esse foi o meu primeiro contato com a arte, pela dança e o balé clássico, onde eu me formei.
Mas com 12 anos, ainda lá na minha cidade, eu também entrei em uma escola de teatro chamada Grupo de Teatro 10 pras 8, que era muito conhecido na cidade. Então eu comecei a fazer muitos espetáculos. Eu lembro que o primeiro que eu fiz foi “Aurora da Minha Vida”, que é uma muito conhecida e importante e da dramaturgia brasileira e também é escrita por um mineiro.
Eu me formei pela Royal Academy Of Dance Brasil, que é uma escola referência de balé clássico em Londres. Os avaliadores vinham a Minas anualmente avaliar os bailarinos.
Posso dizer que meu primeiro contato com a arte foi com uma rigidez e uma amplitude muito grande, através da dança. A dança me deu uma disciplina incrível, a qual eu sou muito grato por esse caminho que trilhei, e também sou grato pelo teatro.
Eu tenho 35 anos atualmente, com isso já são 27 anos de carreira, juntando dança e teatro.
Quando eu vim para o Rio de Janeiro, eu comecei a também intensificar meus estudos com teatro. Até que eu entrei para UNIRIO, na Faculdade de Artes Cênicas, e me formei. Então veio a televisão e foi vindo o cinema. A UNIRIO me abriu portas muito poderosas no teatro, onde eu fui fazendo muito espetáculos. Eu tenho mais de 30 espetáculos de teatro. E não parei. Daí foi um passo para a televisão, e tudo fluiu. Misturando os caminhos da dança, com os caminhos do teatro, da tv e cinema.
Começar com a dança,me deu um chão muito grande, pois ela trata do objeto principal do artista, que é o corpo que ele tem. Ela me trouxe uma segurança e uma consciência muito importante para meu trabalho, seja no teatro, na tv ou cinema.
Agora a questão de gostar de arte, eu acredito que já nascemos com essa curiosidade. Eu me lembro que eu sempre fui muito tímido, muito quieto, mas eu sempre tive curiosidade em relação a todas as artes. Então é um gostar que desde que eu me entendo por gente eu tenho essa identificação. Mas o que foi importante e decisivo foi o apoio dos meus pais, pois sem eles eu não teria me aprofundado, me formado e me encaminhado nessa carreira, já com 27 anos na arte.
D. A. Você faz teatro, dança, é professor, diretor, entre outros. Mas qual a sua área de atuação favorita e por quê?
A. L. Parece uma resposta clichê, mas eu não tenho preferência. Eu tenho uma total dependência em fazer arte, dessa forma não importa se eu estiver como bailarino, ou num espetáculo, ou sendo coreografo, em um estúdio de TV gravando, ou em um palco como ator, ou dirigindo um espetáculo de teatro ou um audiovisual (filme, curta), se eu estiver dando aula, eu sempre estou imensamente feliz. Isso porque eu concilio uma coisa com a outra, pois eu estou dirigindo um filme, mas, ao mesmo tempo, eu faço um estudo teatral para aquele filme. Eu estou coreografando, mas, ao mesmo tempo, eu estou atuando também ali. Eu estou em um estúdio de tv gravando uma novela, mas é como se eu estivesse na verdade no palco. Eu estou dando aula pros alunos e ao mesmo tempo eu estou checando as minhas possibilidades de diretor. Então uma coisa é intrínseca a outra. Com muito tempo de profissão, você vai entendendo que é tudo bem complexo, é amplo. E a arte não está separada, está tudo junto, tem uma palavra que eu gosto muito que é coletivo.
Também venho descobrindo um prazer gigante que é escrever. Se eu for pensar recentemente eu estou escrevendo duas peças de teatro. Eu já escrevi três, estou escrevendo mais duas agora. E também estou finalizando quatro roteiros. Três curtas e um longa documentário. Então o prazer da escrita, de criar vida, seja enquanto dramaturgo de teatro, ou enquanto roteirista, isso tem me atiçado, tem me provocado.
Está no palco enquanto ator de teatro é de um prazer inenarrável. Porque ali você se sente vivo e sente que as pessoas que estão te assistindo estão se transformando ao vivo, na sua frente. É muito poderoso está no palco.
Resumindo, todos os caminhos: direção, coreografar, atuar, está no estúdio, está no palco, tem um poder muito grande, mas recentemente eu tenho me aprofundado muito enquanto dramaturgo, enquanto roteirista. E sempre, como ator, está em um palco de teatro com trezentas pessoas assistindo, ou seja, vivo e ao vivo, algo real, e aquelas pessoas se transformando a partir do que você está produzindo é uma experiência maravilhosa.
D.A. E quais são os seus trabalhos mais recentes e seus papeis neles?
A. L. Eu fiz um trabalho de bastante destaque na novela “A Dona do Pedaço”, no qual eu fazia o investigador do personagem do Sergio Guizé. E foi bastante importante esse trabalho para mim, pois foi uma novela das 9, na Rede Globo, o que traz muitos benefícios para carreira do ator por conta da visibilidade. E logo em seguida eu fiz o personagem Jackson, que é um treinador de basquete, da novela “Bonsucesso”, novela das 7, também da Rede Globo. Depois eu fiz um um trabalho no teatro que se chama “O Teatro de Cervantes”, é um espetáculo teatral muito importante, que falava de Cervantes a partir do olhar de Dom Quixote de La Mancha. Eram 8 atores em cena e a gente revesava os personagens. Foi muito interessante porque eu atuava enquanto Dom Quixote, atuava enquanto Sancho – uma das obras mais incríveis que a gente tem em relação a literatura universal, o Dom Quixote de La Mancha. Interpretar ambos foi um presente muito grande.
E agora, por ultimo, um personagem que eu estou fazendo, vai estrear na Record TV, na novela “Amor Sem Igual”, onde eu faço o segurança que é o braço direito do protagonista, personagem do Thiago Rodrigues (Tobias). É um segurança que fica junto dele, tomando conta de toda situação, o Thiago Rodrigues é o vilão da história. A novela é das 9. Eu fui convidado a entrar na trama durante esse retorno da pandemia. Foi muito interessante, quando a produtora de elenco me ligou, a Mônica Teixeira (uma querida) e me falou “Amaury, seja bem vindo! quero te convidar para essa fase de retorno durante a pandemia, mas com todos os cuidados”. Então eu faço parte desse elenco que entrou para gravar durante um mês para esse retorno da novela que havia parado durante a pandemia.
É um personagem muitos bacana, tem muitas cenas de ação, muito suspense. Nesse retorno, estará estreando agora, dia 24 de setembro.
Sou muito grato pelo convite da Mônica Teixeira. Principalmente também nesse retorno durante essa época de pandemia, onde a gente vai se desafiando, com todos os protocolos de segurança. É interessante está no estúdio e ver toda a equipe, mais de 15, de 20 profissionais equipados, com segurança. Todo aparato medico acompanhando a gente, verificando temperatura, fazendo exames toda semana. Foram quatro semanas de gravações intensas, com internas, com externas. Então é um trabalho muito bacana.
Atualmente eu também dou aula em três escolas. Uma escola em Niterói, de formação de atores, onde estou há 5 meses durante a pandemia trabalhando de forma online e fazendo com eles quatro filmes totalmente de maneira online, à distância. Isso também está sendo um desafio. São quatro filmes média metragem que eu estou roteirizando junto aos alunos e que estreia agora na primeira semana de outubro.
Também estou dando aula na escola Spectaculu: Escola de Arte e Tecnologia, e lá nos temos 120 alunos que são formados para trabalhar no backstage, em todas as funções que existem atrás dos palcos, atrás das câmeras. Os alunos são formados nessas áreas. Porém, esse anos, com o desafio da pandemia, todas as aulas estão sendo online e tem sido um grande desafio. Lá eu sou professor de teatro, de voz, de interpretação, de corpo, de tudo relacionado as artes cênicas. E a gente continua trabalhando. Imagine trabalhar com 120 alunos incríveis, durante essa pandemia, mas de forma virtual.
E recentemente, também comecei um trabalho novo na escola GayLussac, uma oficina de audiovisual e afeto que é muito consequência desse trabalho de adaptação que eu venho fazendo nas escolas que eu já dou aula. Então eu recebi esse convite para trabalhar nessa escola (que é uma escola muito importante em Niterói)para desenvolver com os alunos essa proposta de como é fazer um filme online, à distância. Trabalhando com o teatro e trabalhando com o afeto. Como é colocar todo seu potencial artístico na criação de um filme, no audiovisual, trabalhando a distância. Como isso é possível.
Fiz recentemente também recentemente um comercial para uma campanha do Governo do Espirito Santo. O comercial que é sobre como o governo do estado adaptou a educação durante a pandemia. E eu sou o garoto propaganda de lá.
Além disso, tenho um projeto que eu começaria a gravar na Rede Globo quando surgiu a pandemia, e , devido a situação, foi adiado. No entanto deve ser retomado no próximo ano.
D. A. Pra você, qual o papel da arte nesse novo normal que estamos vivendo?
A. L. Eu costumo dizer para os meu alunos – que são cerca de 220 ou 230 – que a arte salva, independente do problema e do tamanho do problema. Para você ver, uma pandemia mundial é algo inesperado, e é um problema que não conseguimos dimensionar o tamanho de tão grande que é. Mas a lembrança de que arte salva já começa fazer a gente trazer a importância da arte para os tempos que a gente vive. Se você olhar ao longo da história, foi sempre nos períodos de grandes crises mundiais que a gente teve, através da arte, possibilidades de caminhos. Por exemplo, Segunda Guerra Mundial, após ela a gente teve o surgimento da dança Butoh, no japão, tivemos o desenvolvimento da performasse mundo a fora. A gente teve movimento de arte de muita evolução a partir da crise, como a crise que estamos vivendo a partir desse coronavírus.
No Brasil, durante a ditadura, foi um período de muita produção artística, musical, no teatro, foi um explosão do movimento de arte. Eu costumo dizer que arte salva mesmo no momento de dificuldade que estamos vivendo. Então eu acho que o papel da arte sempre foi e sempre vai ser aquele papel de propor novos caminhos. O artista é sempre um profeta do seu tempo, é aquele que anuncia novos caminhos.
Quando eu comecei na primeira semana de quarentena, alguns amigos da profissão ficaram desesperados, sem saber como trabalhar, como iriam ganhar dinheiro. E eu não parei de trabalhar, assim como outros amigos não pararam de trabalhar. Porque a gente vai se adaptando, se reinventando. Agora não é a gente, e sim é a arte que vai apontando caminhos, e você tem que está atento para você fazer o download do que a arte está propondo. Tem que ter essa sacada e ser inteligente. Quando você percebe que é possível se reinventar, você começa a propor transformação.
Eu estou hoje com mais de 200 alunos, estamos produzindo, não no teatro porque não é possível, mas estamos usando a linguagem do teatro para produzir no audiovisual, misturando o que eu chamo de proposta hibrida, que é um pouco do método de trabalho que eu venho desenvolvendo, onde se mistura teatro e audiovisual, tudo isso através da arte. Então o papel da arte, no momento de dificuldade que estamos vivendo é de salvação. É de libertação.
Em muitos momentos, lá no início da pandemia, quando a gente começava a fazer aula online pelos aplicativos (pelo celular ou notebook) haviam momentos em que eu não dava aula. Eu ouvia os alunos. As chateações, as tristezas, os choros, as dúvidas, as vontades de desistir. E logo depois a gente vai no afeto, e é isso que eu digo, arte é afeto. Eu ouço os alunos, ouço quais são os problemas nessa dificuldade que a gente vive. E vamos nos transformando. Assim o aluno vai se sentindo forte, corajoso, porque através da arte ele vê que é possível uma luz no fim do túnel. E cinco meses depois do início dessa pandemia vemos as coisas fluindo, o aluno engajado, produzindo e estreando filmes daqui a pouco.
Outro exemplo, está gravando em uma emissora durante a pandemia, com esse retorno, com muita precaução, significa que somos artistas que queremos investir no desafio. Arte, sobretudo, é ter coragem pra topar esses desafios, principalmente nos tempos atuais. Então, arte agora é inerente, indelével, fundamental. A arte tem esse poder de nos salvar e ela é e sempre foi uma arma de luta. É uma frase de Bertolt Brecht, teatrólogo alemão, que eu gosto muito, me identifico com ele, e ele diz isso, a arte tem o papel de salvar, de propor novos caminho. O artista é um eremita, é aquele profeta, é o cara que está um passo a frente.
Antes da pandemia, existia um núcleo político no nosso país que dizia que arte não servia para nada, e que os artistas não serviam para nada. Mas depois que entramos na pandemia, o que seriam das pessoas se não tivessem a possibilidade de ouvir uma música, de ler um livro, de assistir na internet uma peça de teatro, de assistir uma live de um cantor , uma novela, filme, tudo feito por artistas. Então vimos a pandemia mostrando a importância da arte para a humanidade. No momento em que diziam que artistas e arte não serviam para nada veio a pandemia e disse: “que música é essa que você está ouvindo? Não é de um artista?”; “e essa peça que você está assistindo? Ela não é feita por um artista?”; “e essa novela, e esse livro…?”. Então a arte dá um tapa na cara dessas pessoas.
Arte é essencial, tanto quanto comer, e dormir, e fazer amor e amar. Nesse momento a pandemia faz o mundo entender que a arte salva.
D. A. Como está sendo a adaptação no fazer arte durante a pandemia?
A. L. Tem sido uma luta diária. No inicio da pandemia a gente estava cego. A gente não sabia enquanto artista, enquanto professor, enquanto ator ou enquanto diretor, o que a gente iria fazer. O nosso produto é o contato com as pessoas. Seja com o público, ou com as outras pessoas, profissionais nosso de trabalho. Mas a gente estava cego, a gente não conseguia enxergar absolutamente nada. Entretanto você vai acreditando, você lembra dos seus 8 anos de idade, aquela força que tinha dentro de você, que fez você pedir o seu pai ou a sua mãe a te levar a uma aula de dança, e começa a pensar que é capaz. Capaz de seguir com as turmas de teatro, já trabalho com audiovisual então vou tentar aptar isso.
Por isso também acho importante nos dias atuais o artista ser um artista múltiplo. É importantes que os jovens artistas entendam que é preciso ser múltiplo. Você dirigir, você atuar, precisa editar, você tem que ler muito, porque quando você ler, você fica muito carregado de ideias. Você pode escrever, ser autor, roteirista. Assistir muitos filmes, muito espetáculos, porque você capta ideias de direção. Mesmo que você não goste de dança, assista também espetáculos de dança, porque o corpo do artista é muito mais amplo.
É por isso que eu digo para meus jovens alunos e meus jovens artistas que me perguntam o que tem que fazer: estude muito; seja múltiplo; não seja só ator de teatro, ou só ator de tv, seja artista múltiplo. Porque quando a gente chega numa dificuldade como a que a gente está vivendo, você tem muitas ferramentas de trabalho .
Esse processo de adaptação, logo no inicio deixou a gente assim, um pouco nas escuras, sem saber o que fazer. Então você começa a retomar as nossas ferramentas e vai se adaptando. Brinco com meus alunos que na pandemia é como se estivéssemos em um processo de improviso no palco, onde todo o elenco esqueceu o texto. E agora a gente precisa improvisar, porque o espetáculo tem que continuar. O show tem que continuar. Você tem que dá um jeito, o público está ali. Você tem que seguir.
E um caminho de ferramenta importante é o afeto. Arte é a arte do coletivo. No teatro ou na TV, eu entro no estúdio para gravar e tem um batalhão de pessoas por trás daquele produto final que você vê em tela. A mesma coisa com o cinema, é muita gente envolvida. Então algo importante para se adaptar é o afeto, a gente tem que entender que está todo mundo junto. Tem hora que um vai atrasar, que um vai ficar sem internet, são vários desafios no nosso país. Então um entende o outro, está difícil mas é legal está com essa galera, então eu vou seguir.
Outro caminho também é a escuta, você tem que ouvir o outro, saber o que está se passando com o outro. A arte é escutar e retratar muitos problemas da sociedade através da escuta.
Então acredito que o principal trabalho na pandemia foi reconhecer o que a gente já era, todas as ferramentas que a gente já tinha. Seja os meus alunos que estão estreando filmes que eu estou dirigindo, ou seja na emissora de TV que eu estou trabalhando, ou seja em espetáculos que vamos montar mais na frente, todo mundo vai descobrindo uma nova função, então todo mundo vai se aperfeiçoando em novas aptidões.
A pandemia trouxe isso, a gente precisa ser um artista múltiplo, esse desafio mostra que você tem que está aberto a coisas novas. É logico que a angústia incomoda.
Vivemos em um país que a arte é encarada de uma maneira menos importante. No inicio da pandemia as coisas estavam nesse caminho, mas logo depois as coisas foram invertidas, as pessoas começaram a ter necessidade de arte, e as pessoas começaram a entender a importância da arte. Então os desafios todos foram sendo vencidos através das adaptações, esculta e afeto.
D. A. Você acredita que as mudanças que a pandemia trouxe, vieram para ficar?
A. L. Se a gente olha a história do teatro, a gente observa muitas reinvenções. Quando se tem a luz elétrica você pode fazer espetáculos a noite, na hora que você quiser, você pode pensar num aparato de iluminação, quando isso surge lá atrás, no século XIX. Você pode brincar com a luz, criar ambientes com a iluminação, porque tem a luz elétrica, já não é mais fogo. Ele vai se adaptando e cria possibilidades de fazer cenas ambientadas no dia ou noite conforme o uso da luz. E hoje temos toda a consequência dessa adaptação.
Mas o que mais me chama a atenção é que as pessoas começaram a perceber que a arte faz parte da vida delas. Então acredito que a maior mudança que fica é que várias pessoas vão ter o discernimento que a arte as salvou nessa pandemia. Eu falo isso por conta dos meus mais de duzentos alunos, e é só porque teve aula, teve arte, teve aquele processo de montagem, teve aquela novela que foi gravada na pandemia (tomando todas as precauções), aquilo salvou as pessoas. Então o que fica é que demos um passo a mais para as pessoas entenderem a importância da arte na vida dela.
Agora, tecnicamente, uma mudança que veio para ficar é esse encontro do teatro, da dança, da música com o audiovisual, com o cinema. A gente não tem dúvidas que agora essas artes estão mais conectadas. Tenho amigos que só trabalhavam com audiovisual e a demanda deles de trabalharem filmando peças aumentou muito, por exemplo, e eles precisaram começar a estudar teatro. E, da mesma forma, eu tenho amigos do teatro que precisaram de ajuda da galera do audiovisual e também tiveram que estudar a área. Então isso agregou a eles. Eu acredito que isso deve persistir pós pandemia.
Também vimos vários editais, onde as pessoas produziam dentro da própria casa, inclusive eu fui contemplado por um.
Então essa é a ideia de todas as artes conectadas, e é dessa forma que eu trabalho por exemplo na Spectaculu, porque eles trabalham com teatro e audiovisual e eu tento levar a linguagem dos dois caminhos para eles. Acredito que isso é positivo para nós artistas, pois isso vai agregando outras competências, ficamos mais habilidosos naquilo que temos que fazer. Hoje todo artista sabe fazer uma live. Sabe minimamente mexer no celular e gravar uma cena. Se integrar.
E outra coisa que veio para ficar é falar das nossas questões sociais, do nosso entorno, de quem nós somos. A pandemia faz com que olhemos para dentro de nós mesmos. E invés de falarmos de grande autores, a gente a passa a querer falar das nossas próprias vidas, da nossa arte, do nosso país, da nossa cultura. Então isso veio para ficar. A pandemia trouxe esse reforço de identidade cultural que é muito poderoso.
D. A. Como você acredita que a arte pode ganhar um apoio maior da população e das empresas financiadoras?
A. L. Pra mim as pessoas apoiam a arte, as pessoas apoiam o teatro, e a nossa sociedade brasileira é uma sociedade muito forte culturalmente. Declinada para dança, para música, para a interpretação, o nosso país tem esse poder. Mas a questão está mais relacionada as carências que o nosso povo tem, que são muito profundas. Vivemos em um país onde pessoas ainda passam fome. Então entre pagar um curso de teatro ou fazer compra para comer, a pessoa vai fazer compra.
Essa questão ela é ancestral, ela é anterior, e não somente da sociedade civil como um todo, é também de quem escolhemos enquanto representantes. É preciso ter uma reforma política muito relevante no nosso país. A sociedade precisa ter a consciência na escolha de seus representantes. Eu te tenho dois projetos que estão parados na ANCINE desde a entrada do governo atual, porque são voltados as comunidades indígenas e o governo atual não considera importante. Além dos trabalhos que eu citei que faço com jovens aqui, também trabalho com comunidades indígenas do Mato Grosso através de várias instituições e também a ANCINE. Então tenho dois projetos que foram contemplados em editais, mas estão parados desde o ano passado, porque o governo atual não considera importante levar o audiovisual até as comunidades indígenas. Projeto meu e de outros artistas e produtores que trabalham nele, então nós precisamos entrar numa luta judicial para poder retomar um direito nosso – já que ganhamos através de um edital.
Dessa forma, se a gente voltar lá atrás, acredito que o que falta é a sabedoria na escolha dos nossos representantes, pois isso impacta não só no nosso fazer artístico, mas na qualidade das nossas vidas.
O nosso povo, é um povo muito artístico, a gente tem manifestações culturais muito poderosas. Então por quê esse povo não apoia? Acredito que é porque esse povo não está sabendo escolher os seus representantes. Na hora de escolher o povo pode até saber que tem alguém que vai fazer pela arte, mas ele não escolhe porque talvez o outro representante ofereça o que ele está precisando no momento, comida. Ele vai preferir o que está matando a fome dele. Essa é uma problemática estrutural, porque o governo não se importa com política voltadas a cultura e arte.
Do setor privado e do financiamento artístico, acredito que o que falta é descentralizar o investimento. Começar a investir nas pessoas que estão em todos os lugares do nosso país. Tenho alunos jovens que precisam de investimentos para fazerem trabalhos em suas comunidades e não tem, pois o dinheiro do investimento fica centralizado nas grandes companhias. Então o setor privado precisa ter entendimento na divisão desse dinheiro, para a produção do cinema, do teatro, entre outros. Tem que se investir em quem está fazendo dança lá no Pará e que não possui oportunidade de um currículo gigantesco, mas tem um pesquisa, tem um trabalho. As grandes empresas precisam criar editais, gerar oportunidades e possibilidades para facilitar o escoamento do dinheiro na cultura. Dessa forma o dinheiro pode chegar, por exemplo, a um rapper, de 19 anos que está lá na rocinha, um patrocínio de um grande banco, por exemplo, com 5 mil reais, que poderia ser útil de várias formas para impulsionar o trabalho dele, só como exemplo.
Facilitar o investimento no setor através de editais, mapeando os artistas do país, esse também é um caminho para um investimento maior.
Meu pai e minha mãe são um exemplo de como os brasileiros reconhecem sim a importância da arte, um caminhoneiro e uma dona de casa, que reconheceram em mim a aptidão para arte, e tiveram a consciência de que deveriam investir na arte. É uma pena que sempre esbarramos na vergonhosa situação política do país.
D. A. O que é ser artista no Brasil pra você?
A. L. É ser forte suficiente para movimentar uma montanha. Tem que ter força para movimentar uma montanha. Eu não sei como é ser artista em outros países, mas no meu país, com 27 anos de carreira eu posso dizer que ser artista aqui é você lutar por arte inclusive dentro do núcleo artístico. Porque a gente pensa que a comunidade artística é algo muito unido, é algo muito forte, mas tem um problema, pois não é assim. Então, para ser artista aqui você tem que fazer luta até dentro do próprio meio de trabalho. Ser artista aqui é você dá aula pra cerca de 300 pessoas que sonham em ser artistas, e você vê isso nos olhos delas, mas você também vê que elas tem outras demandas que as vezes as impedes de seguir com aquele sonho.Porque é difícil, é complicado viver no nosso país. Precisamos lidar com esses olhares de possíveis artistas incríveis, mas que deixam de ser, pois a dureza do nosso país faz com que elas precisem tomar outros rumos na vida.
Ser artista aqui é também ter uma coragem infinita. É ter que ter o ouvido e um coração muito aberto, pois o nosso país é gigante e muito diferente e tem muitas coisas legais, então temos que está sempre muito aberto para produzimos a nossa arte.
Ser artista no Brasil também é ser o artista mais poderoso do universo, porque nosso povo é muito profundo e ao mesmo tempo amplo e pra cima. Temos que dar conta de uma multiplicidade gigante. Um artista precisa entender a complexidade do povo brasileiro.
E, por fim, ser artista aqui é ser capitão, é ser tecnologia avançada de toda uma ancestralidade que passa pelos irmãos africanos, pelos irmãos indígenas, pelos irmãos europeus. Então, é como se a gente estivesse em uma fila, e nós artista fossemos os primeiros da fila, como capitães, e atrás da gente vem um batalhão de ancestralidade, de pessoas que vieram de todos os cantos do Brasil. E nos somos guerreiros incansáveis na luta pelo nosso país.
D. A. Conta pra gente onde as pessoas podem te encontrar.
A. L. As pessoas podem me encontrar através das minhas redes sociais (Instagram, Facebook, YouTube, Vimeo). Lá no meu Youtube tem algumas peças minhas, peças que dirijo, que atuo. Quem quiser chegar nas minhas redes sociais, quiser trocar um ideia, conversar, estou lá aberto, pode chegar junto, tirar dúvidas, falar sobre teatro, dança, aulas.
E para finalizar, sejamos artistas múltiplos, porque a vida é uma só, e se a vida é uma só a gente precisa ter muitos braços e muitas pernas para fazer tudo o que for possível e com qualidade.
Imagens: Divulgação/Amaury Lorenzo
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