Muito além das histórias dos Irmãos Grimm
Provável que o leitor já tenha cruzado com uma dúzia de listas sobre histórias originais da Disney, boa parte de autoria dos Irmãos Grimm, e que eram muito mais sombrias antes de serem “disneyficadas” e transformadas em novos clássicos para as crianças. Essa lista, porém, vamos falar de referências um pouco mais obscuras e que provavelmente passaram despercebidas pelo grande público em filmes da Disney inspirados por livros.
Oliver e Seus Companheiros
Embora faça parte do cânone da literatura inglesa, “Oliver Twist” de Charles Dickens é, no mínimo, bem menos discutido no Brasil, mesmo nas universidades. O livro serviu de ponto de partida para construção do longa “Oliver & Company”, da Disney, e que, assim como outros títulos, sofreu alterações drásticas para compor uma trama mais familiar e infantil.
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No livro, Oliver é um órfão e se envolve em uma vida de roubos e delinquência para sobreviver na impiedosa Londres oitocentista, vai preso, e acaba envolvido em uma trama com direito a assassinato e traição; um comentário dickensiano de denúncia sobre a marginalização de indivíduos na sociedade inglesa. Não precisamos nem comentar que a Disney retirou basicamente tudo isso e resumiu a gatinhos fofos, não é?
O Rei Leão
Reconhecido modo geral como o primeiro longa da Disney a contar com uma história original, “O Rei Leão” foi um sucesso estrondoso de bilheteria e se tornou o filme mais vendido em VHS de todos os tempos. Há de se mencionar das alegações sobre a história ser inspirada no japonês “Kimba, o Leão Branco” (“Jungle Taitei”) de Osamu Tezuka, mas não é esse o motivo para trazê-lo para a lista.
Provavelmente a referência mais popularmente sabida da lista, O Rei Leão é uma amálgama shakespeariano, sem que exista uma correlação de 1:1 entre personagens da animação e das peças do dramaturgo. O melhor exemplo é a caracterização de Scar, inspirada imageticamente em Hitler e no nazifascismo, mas que possui fortes ligações com “Macbeth”, do autor inglês.
Na trama, o protagonista é um fiel seguidor do Rei Duncan, e que crê que será seu sucessor com sua morte, uma vez que o príncipe Malcolm não possui idade e maturidade à função. Macbeth trama para assassinar o rei e colocar a culpa em seu filho, assumindo o reino e o levando à uma era de trevas.
Outras referências também não passam despercebidas, sendo assumidas publicamente pela equipe de produção, como o filme sendo modelado em torno da trama de “Hamlet”, com inspirações também na história bíblica de Moisés. Bem, tanto Hamlet quanto Macbeth possuem tios malucos e assassinos, dá para tapar os olhos a isso?
A Bela e a Fera
O clássico que rendeu tantas adaptações ao cinema, inclusive uma mais recente estrelada por Emma Watson (2017), é fortemente baseado em um conto de fadas homônimo francês, “La Belle et la Bête”, escrito originalmente por Gabrielle-Suzanne Barbot em 1740, e mais conhecido pela versão anos mais tarde de Jeanne-Marie LePrince de Beaumont. Mas não é dessa referência que estamos falando.
Bem menos comentado, para pegar essa referência é preciso recapitular quais os elementos básicos constituintes da obra. Bela é uma garota francesa, que vive no interior, apaixonada por livros, e se sente incompreendida pelos locais — sonhando com uma vida além desses costumes provincianos.
“There must be more than this provincial life!”
“Eu quero mais que a vida do interior!”
Trechos da em inglês e em português brasileiro de “Belle”, ou “Minha Aldeia”, para “A Bela e a Fera” (1991).
Quem também é assim é a protagonista daquele considerado o romance dos romances, “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert. Na trama, Emma se casa com um homem divorciado, Charles Bovary, com o qual mantém um relacionamento infeliz, tentando encontrar alegria e escapismo através de livros, gastos, e de relações extraconjugais. Nada a ver, não é?
Poderia ser, não fosse a influência inescapável desse que é facilmente um dos cinco livros mais importantes à literatura europeia. A Bela da história original, em francês, é também humilde, adora literatura, mas não possui grandes aspirações, senão em prol de sua família.
A inserção da linha sobre a vida provinciana na canção “Belle”, no entanto, parece flertar com o clássico do realista Flaubert, e adiciona uma nova camada irônica à personagem, sonhadora e à frente de seu tempo. A Bela da Disney é, portanto, uma anti-Emma: ela deseja ir além do que lhe foi designado, e embora o mundo ao seu redor zombe dela, tal como no livro, ela não tem um final trágico. Aliás, mencionamos que o subtítulo de Madame Bovary é “Costumes de província” (Mœurs de province)?
Fantasia, ou Aprendiz de Feiticeiro
O grande mago da literatura alemã segue insuperável. Goethe é bem mais conhecido pela obra que levou toda sua vida para ser publicada, “Fausto”, mas o autor tem uma boa dúzia de outros trabalhos dentro e fora da literatura que são puro ouro e adaptados para tantas fontes, como a própria “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias.
Um deles é “O Aprendiz de Feiticeiro” (“Der Zauberlehrling”), poema em 14 estâncias e que inspirou a versão de Paul Dukas de 1897, versão musicada utilizada no longa “Fantasia”, longa dividido em oito segmentos com animação inspirada em música clássica; o terceiro, “The Sorcerer’s Apprendice”, junto com “Night on the Bald Mountain”, talvez tenha ficado maior que o próprio filme.
Imagem Destacada: Divulgação/IMDB
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