Noto que estou vestida com uma camiseta com nomes de 28 diretores de cinema – nenhum deles é uma mulher: escrever sobre “Gilmore Girls” em pleno 8 de março de 2017 é um gesto político.
Este texto só será publicado dia 11 e é uma homenagem àquelas que nos inspiram a traduzir vida em palavras e/ou imagens – como é o caso de Amy Sherman-Palladino (diretora, roteirista e criadora da série). No ar desde outubro de 2000, “Gilmore Girls” teve 7 temporadas e terminou em maio de 2007. No final de novembro de 2016, os habitantes de Star Hollows se reuniram e o sucesso do reencontro já estimulou o início de negociações entre Netflix e os produtores – deve vir mais café por aí.
Logo no episódio piloto, entende-se a referência ao café – combustível da mãe de 32 anos, Lorelai, e de sua filha de 16, Rory. O percurso de 16 anos e 157 episódios apresenta diálogos célebres em um universo agridoce responsável por viabilizar a existência de personagens que vivem a realidade fabulosamente, com direção de arte e trilha sonora encantadas.
“Emily: Você estava no telefone?
Richard: Longa distância.
Lorelai: Deus?
Richard: Londres.
Lorelai: Deus vive em Londres?
Richard: Minha mãe vive em Londres.
Lorelai: Sua mãe é Deus?
Richard: Lorelai…
Lorelai: Então, Deus é uma mulher.
Richard: Lorelai.
Lorelai: E uma parente! Isso é legal. Eu vou pedir favores.
Richard: Faça ela parar.
Rory: Se eu pudesse…”
Lorelai foi mãe quando adolescente e escolheu cuidar de sua filha sem ajuda da família. Dispensou sua posição social em nome da liberdade, arregaçou as mangas e aproveitou a vida sob influência da cultura pop. Mas, quando Rory faz 16 anos, a necessidade financeira as coloca em contato com Richard e Emily Gilmore – o que rende confrontos ideológicos divertidíssimos.
“Lorelai: Minha mãe – ela esteve aqui. Eu posso sentir.
Rory: A vovó não esteve aqui.
Lorelai: Sentiu isso?
Rory: Isso o quê?
Lorelai: O quarto – tem cheiro de culpa e Chanel No. 5”
Herdeira do privilégio, a jornalista formada em Yale faz opções que também refletem a independência de sua mãe; ela prefere se despedir dos queridos amigos mesmo gostando da maneira como eles ficam bêbados e compram coisas caras e desnecessárias. Também nega a oferta de Logan, seu namorado, e recusa uma casa com conforto e empregados à disposição para que ela escreva com tranquilidade. Sim. Proustianamente, personagem se descobre escritora e Rory conta para Lorelai sobre o que será seu livro.
“Rory: É sobre mim. E você.
Lorelai: Eu e você? E nós combatemos o crime?
Rory: É sobre nossa relação. Essa coisa mãe e filha, nossa amizade. É sobre a nossa jornada e a jornada que você fez antes de eu nascer… Talvez eu tenha generalizado muito. Só imagina isso: Começa. Você tem 16 anos e você está grávida. Está fazendo as malas para deixar a casa da vovó. É uma história do luxo ao lixo. Tem tudo. Problemas familiares, lutas de classe, a coisa da mulher independente. Eu vou contar cronologicamente ou com a história indo e voltando, ainda não decidi…”
Será que, até aqui, assistimos ao que a personagem escreveu? A metalinguagem é frequente, criativa, e estimula a atmosfera onírica. Ultrapassa a ficção quando sabemos do Desafio de Leitura Rory e sua lista de centenas de livros citados na série. Com autenticidade pós-moderna, o tempo redescoberto por Amy Sherman-Palladino é perspicaz e sensível em mesclar Hollywood e off Broadway, Elizabeth Taylor e Christiane Amanpour.
Por Carmen Filgueiras
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