Raro exemplar de ficção científica misturado com drama, “Gravidade”, filme de Teo Tabosa faz refletir sobre o fim do mundo

Diretor e realizador na grande maioria da sua carreira de curtas metragens, o diretor Teo Tabosa estreia na direção de um longa com o filme “Gravidade”, uma mistura rara no cinema nacional que envolve toques de ficção científica e drama familiar em uma mansão onde quatro mulheres analisam suas vidas, se enfrentam e se desafiam no limiar do fim do mundo e no que restas das suas existências.

Confinadas por diversos indícios de que o mundo está acabando com tempestades solares, falta de luz e quedo do sinal de celulares e das comunicações, a tênue trégua que as mantém está prestes a ruir por todas as diferenças que as mantém únicas mas indivisíveis, dado o contexto que as cercam.

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A começar pelo que parece a protagonista da história (parece, pois todas têm seus momentos), Nina, interpretada com a solidez habitual por Hermila Guedes, herdeira da mansão em que se passa todo filme, sempre em conflito com sua madrasta, papel da grande Clarice Abujamra (Sydia) com aquele ar de decadência burguesa e ilibada arrogância, característica que a atriz transmite com perfeição; a cuidadora da habitação e enigmática personagem detentora dos segredos da família a onipresente e sempre revigorante Marcélia Cartaxo (Joana) e, por fim, a última, mas não menos importante, vértice da história, Danny Barbosa (Lara) com um segredo que pode elevar ainda mais os ânimos nessa situação tão exasperante.

E mais para frente temos a intrigante personagem que a veterana Helena Ignêz nos apresenta com leveza e carisma, fechando a história que em determinados momentos transporta a trama aos ares da metalinguagem em cenas reveladoras protagonizadas junto à atriz Danny Barbosa.

O texto do diretor e roteirista Teo Tabosa leva a questões prementes como risco ambiental, fakenews sobre o estado das coisas, negacionismo e conflitos que podem nunca serem resolvidos, mas no limite têm humanidade e sensibilidade o suficiente para navegar pelos temas propostos com desenvoltura, talvez fruto de sua experiência em curtas metragens, que ajuda a compor junto ao diretor de fotografia imagens oníricas, propondo caminhos misteriosos, nem sempre inteligíveis, mas curiosos e promissores ao filme.

Cearense orgulhoso em manter a realização desse filme com uma equipe 80% do seu estado de origem, Teo criou um filme atmosférico, intrigante e opressivo.

Com vultos entre luz e sombras, espectros que hora aparecem de repente, criando todo um universo dentro daquela própria mansão decadente em que até a comida estraga durante aquele dia fatídico, provoca ao colocar uma fenda que aos poucos se abre em luz e mistério com a capacidade de alterar as vidas das pessoas que se atreverem a passar para o outro lado.

Porém tanto simbolismo, mistério e atmosfera resulta no final em um apaziguamento narrativo que se revelava insuspeito no começo, como se fosse impossível uma conciliação de mulheres com vidas e características tão divergentes.

O problema não é de fato a conciliação e sim as concessões que são acolhidas pelo texto após a passagem da personagem, digamos, cósmica de Helena Ignêz, pois, se tudo era mistério, ao final do filme e após a conclusão tem-se a impressão que a história não terminou no ápice da sua proposta inicial de provocar e inovar como vinha se desenrolando e as personagens vão de uma hora para outra se acomodando convenientemente aos eventos finais.

De qualquer forma é um triunfo de criatividade que se mantém pela estranheza dos seus caminhos em boa parte do filme, e que faz valer a pena conhecer mais esse exemplar do cinema brasileiro.

Este filme foi visto durante a 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

_{“Gravidade”. Imagem Destacada: Divulgação/Sereia Filmes}

Gravidade | Às Vezes É No Fim de Tudo Que Nos Encontramos

Sinopse

Às vésperas do fim do mundo, Sydia e sua filha Nina se veem presas em uma noite interminável dentro da antiga mansão da família. Enquanto o isolamento acirra os conflitos entre mãe e filha, a chegada inesperada da misteriosa Lara desperta tensões. Joana, a empregada que havia sumido sem explicações, retorna com notícias do mundo exterior e as quatro mulheres são forçadas a confrontar seus medos mais íntimos. Em meio ao colapso iminente, segredos vêm à tona, e cada uma será confrontada com o peso de suas escolhas.

Prós

Tema interessante de ficção científica apocalíptica na cinematografia brasileira;

Imagens criativas de fotografia enigmática e que concede todo clima à obra;

Filme diferente que gera uma sensação claustrofóbica de final dos tempos.

Contras

Tanta criatividade no roteiro e nas composições de fotografia para terminar em uma conciliação que o filme não preparou a contento.

3.5

Nota