Artista faleceu aos 73 anos em Belo Horizonte
Poucos artistas traduziram com tanta delicadeza a alma mineira e a essência da música brasileira quanto Lô Borges, que faleceu na noite de domingo (2) em Belo Horizonte, aos 73 anos, após ser hospitalizado devido a uma intoxicação por medicamentos. Compositor, cantor e instrumentista de rara sensibilidade, ele conquistou um espaço único na história da MPB ao unir lirismo poético, harmonias sofisticadas e uma sonoridade que sempre olhou para o futuro, mesmo quando ancorada nas raízes de sua terra natal. De prodígio precoce a ícone da canção moderna, Lô Borges construiu uma trajetória que atravessa gerações, mantendo viva a chama criativa acesa nos anos 1970.
Os primeiros acordes e o nascimento de um talento
Salomão Borges Filho, o Lô Borges, nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 10 de janeiro de 1952. Desde cedo demonstrou uma relação intensa com a música. O ambiente familiar favoreceu o florescimento desse talento: seus irmãos mais velhos tocavam instrumentos e ouviam discos de rock, bossa nova e jazz, o que despertou em Lô um interesse genuíno por diferentes estilos. Autodidata, começou a tocar violão e guitarra ainda adolescente, explorando harmonias e melodias de forma intuitiva e inventiva.
Na virada dos anos 1960 para os 1970, a efervescência cultural de Belo Horizonte criou um terreno fértil para jovens músicos que buscavam uma nova linguagem musical. Entre eles estavam Milton Nascimento, Beto Guedes, Toninho Horta, Wagner Tiso e o próprio Lô Borges — nomes que, juntos, formariam o lendário Clube da Esquina, movimento que revolucionaria a música brasileira.
Clube da Esquina: uma revolução mineira
O encontro de Lô Borges com Milton Nascimento foi decisivo. A afinidade musical entre os dois se traduziu em uma parceria criativa e fraterna. O auge dessa colaboração viria em 1972, com o lançamento do álbum duplo “Clube da Esquina”, assinado por Milton e Lô. A capa icônica — dois meninos, um negro e um branco sentados à beira de uma estrada — se tornaria símbolo de uma geração.
Musicalmente, o disco era um caleidoscópio sonoro: misturava MPB, forte influência dos Beatles, psicodelia, rock progressivo, jazz, música erudita, música regional mineira e ritmos latino-americanos. Lô, então com apenas 20 anos, assinava composições que se tornariam clássicos, como “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “O Trem Azul” e “Tudo o Que Você Podia Ser”. As letras, muitas delas em parceria com Márcio Borges, seu irmão, revelavam um olhar poético e existencial, embalado por melodias de intensa beleza.
O “Clube da Esquina” foi mais do que um álbum: foi um manifesto artístico. Representava a força criadora de Minas Gerais, mas também o desejo de liberdade em tempos de ditadura militar. Com sua musicalidade universal e seu espírito libertário, o disco se tornou um marco da cultura brasileira e consolidou Lô Borges como um dos grandes talentos da música nacional.
O disco do tênis e a carreira solo
No mesmo ano do lançamento de “Clube da Esquina”, Lô Borges gravou seu primeiro álbum solo, o hoje cultuado “Lô Borges”, conhecido como “o disco do tênis” por causa da capa, que mostra um par de tênis surrados sobre um fundo branco. À época, o disco passou quase despercebido comercialmente, mas com o tempo ganhou status de obra-prima. Sua mistura de influências do rock britânico, especialmente dos Beatles, com o lirismo mineiro e a liberdade melódica do Clube da Esquina, resultou em um som moderno e atemporal.
Músicas como “Você Fica Melhor Assim”, “O Caçador”, “Aos Barões” e “O Trem Azul” (regravada em sua versão solo) revelavam um jovem compositor em plena experimentação. Décadas depois, o disco seria redescoberto por músicos e críticos e hoje é considerado um dos grandes álbuns da MPB, influenciando artistas no Brasil e no exterior.
Parcerias e amadurecimento musical
Após esse período de intensa criação, Lô Borges se afastou temporariamente dos holofotes. Voltou aos poucos, consolidando uma carreira mais discreta, porém consistente. Em 1979, lançou “Via Láctea”, seguido de “A Via-Láctea ao Vivo” e outros trabalhos que mantiveram o refinamento musical característico de sua obra.
Nos anos 1980 e 1990, Lô retomou parcerias com Beto Guedes, Milton Nascimento e Márcio Borges, além de firmar colaborações com novos nomes da música brasileira. Canções como “Para Lennon e McCartney”, “Equatorial” e “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” se tornaram atemporais, reafirmando sua capacidade de criar melodias que tocam o coração.
Lô Borges sempre foi um artista avesso à lógica comercial. Prefere o silêncio dos estúdios e a poesia das canções à exposição midiática. Sua música fala por ele — e fala muito. Cada acorde revela uma busca constante pela beleza e pela simplicidade, marcas que atravessam toda a sua produção.
Legado e influência
Hoje, Lô Borges é reconhecido como uma das figuras mais importantes da MPB. Seu trabalho inspirou gerações de artistas, de Nando Reis a Céu, de Skank a Los Hermanos. O “disco do tênis”, em particular, foi reverenciado por músicos internacionais, incluindo nomes do indie rock que descobriram naquelas melodias mineiras um eco da psicodelia e da sensibilidade pop.
Nos últimos anos, Lô continuou ativo, lançando discos anuais desde “Rio da Lua” (2019) até o último, “Céu de Giz”, de 2025, além de participar de projetos que resgatam e reimaginam a sonoridade do Clube da Esquina. Sua música, ao mesmo tempo introspectiva e universal, permanece viva, atual e necessária.
A trajetória de Lô Borges é a história de um artista que nunca deixou de ser aquele menino sonhador de Belo Horizonte, encantado com o som das guitarras e dos violões, e que, com seu talento discreto e imenso, ajudou a redefinir a canção brasileira. Sua obra é, como ele mesmo cantou, “um girassol da cor do seu cabelo” — uma síntese luminosa de poesia, melodia e emoção que continua a inspirar o Brasil e o mundo.
Imagem Destacada: Divulgação/Instagram (@loborgesoficial)
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