Nas últimas décadas, a tv se aproximou da qualidade do cinema e “Mad Men” (2007- 2015) é filho da Era de Ouro, iniciada por “The Sopranos” (1999 – 2007). Nessa tradição, “Black Mirror” (2011 -) sucede “Mad Men” não só pela riqueza artística no fazer crítica social: o próprio problema começa ali, em torno da década de 1960, com a sofisticação do aparelho publicitário em sua estratégica maneira de nos disciplinar.
Em uma análise sobre “Black Mirror”, escrevi: “No quarto episódio, da segunda temporada, ‘Natal’, com o ator Jon Hamm, as viradas do roteiro envolvem o espectador como faria o Don Draper. Mesmo assustados, estamos apaixonados, seduzidos e queremos mais uma dose. A falta trágica contemporânea é o excesso. É a canção presente em mais de um capítulo, ‘Anyone who knows what love is will understand’, que pode explicar de qual modo o humano – a criatura mais maravilhosa entre todas, conforme o coro de ‘Antígona’ – pode almejar se conformar ao espelho negro e seus simulacros.”
Como Richard Dyer propõe em seus estudos sobre o star system, a imagem do ator carrega memória sobre ele moldada por cada enquadramento. Jon Hamm é Don Draper, capaz de convencer qualquer pessoa porque descobre o que ela quer. Sob seu ponto de vista, vemos como as relações são construídas para gerarem maior consumo.
“Don Draper: A razão pela qual você não sentiu isso é porque não existe. O que você chama de amor foi inventado por caras como eu para vender meia-calça. Você nasceu sozinho e vai morrer sozinho e esse mundo só despeja um monte de regras em cima de você para te fazer esquecer esses fatos. Mas eu nunca esqueço. Estou vivendo como se não houvesse amanhã porque não há.”
No entanto, a década de 60 passa e chegam os anos 70. A cintura marcada do pós-Guerra pode confundir, mas a dor vivida pelas mulheres, e não compreendida pelos homens da Agência Sterling Cooper, quando todos sabem da morte de Marilyn Monroe, deixa claro um abismo semântico que não poderá ser sustentado por muito tempo. Assim, as estruturas familiares são reorganizadas pela necessidade de ressignificação do feminino.
A genialidade do roteirista Matthew Weiner em desenvolver a História pelo olhar do criador de desejo encontra eco na estrutura formal. Através da direção de arte, do figurino e da cortina de fumaça dos cigarros, observamos como a propaganda nos infantiliza.
“Don Draper: As pessoas te dizem quem elas são, mas nós as ignoramos porque queremos que elas sejam quem queremos que elas sejam”.
Platão criticou o artista por ele criar ilusões e afastar a razão do espectador. O que o grego nos diria sobre o incentivo ao delírio hedonista que o bolso do anunciante entrega à direção de um Draper? A percepção humana vem sendo alterada, mas escolher entre o favo da baunilha e a sua essência lucrativa, fabricada em laboratórios, não pode ser uma decisão do departamento de marketing. Ainda somos mais do que uma pesquisa de mercado.
Por Carmen Filgueiras
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