Malu é uma ficção biográfica sobre conflitos geracionais por não reconhecimento e não pertencimento.
A primeira exibição de “Malu” foi no Festival de Sundance 2024, e ontem foi a vez de estrear no Festival do Rio. A premissa do longa é o encontro de três mulheres, da mesma família, e o confronto entre elas. Religião, afeto, violência e passado são algumas das pautas presentes no filme.

Depois de realizar alguns curtas selecionados e premiados em grandes festivais, Pedro Freire (Aspirantes | 2015) estreou seu primeiro longa como diretor e roteirista. O drama, que se passa no Rio dos anos 90, vai atravessando a década para nos apresentar uma biografia ficcional. O filme é inspirado e dedicado a Malu Rocha, atriz e mãe do diretor, que veio a falecer em 2013 por complicações em decorrência do Mal de Príon.
Na trama, Malu (Yara Novaes) é uma atriz desempregada, de meia idade, que vive das memórias de seu passado glorioso. Ela divide uma casa, em uma favela do Rio de Janeiro, com sua mãe Lili (Juliana Carneiro da Cunha). Seu atual sonho é transformar essa casa em um Centro Cultural. Com o retorno de sua filha, Joana (Carol Duarte), Malu também terá que lidar com esse relacionamento conturbado. A complexa relação com sua mãe conservadora e sua filha adulta torna sua crise existencial ainda mais aguda. Em meio a momentos de carinho e alegria entre as três, também existe muitas mágoas e verdades nunca ditas.
Para Freire, como roteirista, expondo certas intimidades, custou-lhe o trabalho de não só apresentar essas mulheres de maneira verossímil como também, recortar seus momentos para melhor compreensão narrativa. Por vezes, algumas passagens caem em silêncios potentes, em outras são apenas preenchimento de tela. Fato esse que, junto a edição de Marilia Moraes (Nosso Sonho | 2023), fez com que o longa tenha problemas de ritmo. Trazer recortes com diversas passagens de tempo, sem cair em algum marasmo, é bem difícil, até para diretores mais experientes. Porém, o ponto alto de seu trabalho é trazer uma visão muito natural e orgânica de toda a trama.

Falando de naturalidade, temos que destacar o trabalho da direção de arte feita por Elsa Romero (A Herança | 2024). É complicado, para dizer o mínimo, criar um “over dressing” de casas humildes. Pode parecer simples, mas dar um tom de vivência sem cair no caricato, num recorte datado e cafona, é mais difícil do que imaginam. Infelizmente não temos uma fotografia que favoreça seu trabalho. A cargo de Mario Pinheiro Junior (A Vida Pela Frente | 2023), a fotografia do filme é crua e seca, como pede a narrativa, contudo seus recortes de luz e sombra não são o melhor resultado. Felizmente ou infelizmente, pela natureza ou pelo colorismo do filme, temos um Rio constantemente nublado e opaco, o que é ótimo para a história em alguns momentos. Mas não tão convincente sobre a ambientação geral do filme. Um pouco de contraste e cor nas diurnas, não faria mal e dariam um ótimo resultado.
Agora, tratando de merecido reconhecimento, precisamos falar sobre o trio de atrizes que encabeçam o elenco. Curiosamente, com formações, vivencias e tempos de experiencias diferentes, cada uma apresenta um tom interpretativo. Isso tinha tudo para dar absolutamente errado, por parecer desconexo, sem liga, mas deu muito certo. Nesse lugar, junto as atrizes, Freire consegue extrair os diferentes tons de interpretação que se convergem no filme, como diferentes perspectivas, projetadas pelas vidas, dores e afetos, de cada uma dessas diferentes mulheres.
A Joana de Carol Duarte (A Vida Invisível | 2019) vem com um tom mais novelesco; suave, mas visível. Ela traduz, com muita sutileza o peso mental de uma geração que olha para os pais e avós e entende o processo, mas não necessariamente perdoa de peito aberto. Dentro de um olhar que chega com a maturidade e, por consequência, com os confrontos inevitáveis, ela busca o conforto no que lhe é dado. As vezes migalhas, as vezes um banquete de afeto. Juliana Carneiro da Cunha (Eduardo e Mônica | 2020), a Dona Lili, traz uma pegada mais teatral para essa senhora conservadora e religiosa. Um retrato bem fiel de mulheres que foram silenciadas por toda a vida, que encontram consolo na fé e justificam suas atitudes pelas perspectiva tacanha que a vida lhe proporcionou.

Já Yara de Novaes (Depois a Louca Sou Eu | 2019), que viva nossa protagonista Malu, oscila entre uma interpretação de teatro, tv e cinema. Isso torna sua personagem ainda mais vivida em diferentes momentos. Sua entrega ao personagem nos presentei com uma mulher complexa, presa ao passado e sem perspectiva de futuro. São tantas camadas presentes nessa personagem que temos fragmentos que vão de uma boa caricatura a naturalidade das ações. Olhar e reconhecer afetuosamente essa mulher contraditória em tantas outras, faz com que seu trabalho como atriz seja um destaque ímpar dentro da produção.
Usando algumas canções famosas para trazer momentos dessa protagonista, o longa falha em não ter uma trilha original potente. E ainda que a força das interpretações ganhe a tela, fez falta composições que reforcem suas qualidades. De qualquer forma, “Malu” segue sendo uma grata surpresa em vários aspectos. Ainda que a vida nos apresente muitos caminhos, viver no passado cheio de mágoas e confecções equivocadas gera reconhecimento e empatia. Todo mundo conhece alguém como essa personagem que busca se realizar, negando que o passado já se foi, que o presente não é o que desejava e que o futuro é incerto.

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