A relação entre Carol Sturka e a mente coletiva chega ao limite
Depois de apresentar o mundo do apocalipse feliz e dos poucos imunes à mente coletiva nos dois primeiros capítulos, o episódio 3 de “Pluribus”, intitulado “Granada”, faz o que boas séries de ficção científica adoram fazer: diminui o escopo, volta o olhar para dentro e usa um gesto simples, aqui, um pedido impulsivo por um explosivo, para escancarar dilemas morais gigantes.
Não é um capítulo que muda todas as regras do jogo, mas é o episódio em que a série deixa muito claro qual é o tabuleiro.
Luto congelado e memórias sequestradas
“Granada” começa longe do fim do mundo. Num flashback ambientado anos antes da União, Carol e Helen estão em um hotel de gelo na Noruega, diante da aurora boreal. É uma cena que, em qualquer outra série, seria puro romantismo: cama de gelo, paisagem absurda, tentativa de criar memórias únicas.
Aqui, funciona ao contrário.
Helen está inteira naquele momento; Carol, não. Enquanto a esposa pratica norueguês, observa o céu e tenta transformar a viagem em lembrança, Carol está com a cabeça enterrada nos números do novo livro. O episódio deixa claro que a fissura emocional de Carol não nasceu com o vírus, ela já existia muito antes. A catástrofe só ampliou o que já estava quebrado.
No presente, de volta a Albuquerque, esse passado mal resolvido volta como ferida aberta. O hive-mind (a mente coletiva) carrega as memórias de Helen e, em nome do “cuidado”, devolve cartas, presentes e lembranças como se isso fosse consolo. Para Carol, é quase o oposto:
o mundo inteiro insiste em participar de um luto que, na cabeça dela, deveria ser só dela.
Quando Carol exige que a mente coletiva simplesmente “apague” Helen, é o primeiro gesto explícito de posse sobre a própria dor: ela não quer dividir, não quer que transformem suas lembranças em dado compartilhado. Quer ter o direito de sofrer em paz.
Um mundo que cuida demais e pergunta de menos
De volta à rotina, o desconforto se espalha pelos detalhes.
Zosia, ligada ao hive-mind, passa a acompanhar Carol em tudo com uma doçura que beira o sufocante: ajuda com tarefas, tenta antecipar necessidades, traz presentes, reorganiza a casa, ajusta a cidade para o conforto da imune.
O exemplo do supermercado é perfeito. Quando Carol encontra o mercado vazio por causa da nova lógica de distribuição de recursos, ela exige que tudo volte ao “normal”. Em segundos, o lugar é reabastecido. É eficiente, é impressionante e é perturbador. A cena funciona como um lembrete visual de que, em “Pluribus”, a coletividade é capaz de reorganizar o mundo inteiro ao redor de um capricho individual. O problema é que esse capricho pertence à única pessoa que ainda consegue causar dano real.
Cada micro-confronto, a comida recusada, a discussão sobre energia, a irritação com qualquer interferência, parece exagerado na superfície. Mas o episódio deixa claro de onde vem esse excesso: não é só birra, é pânico diante da possibilidade de ser engolida pela colmeia.

A granada que ninguém esperava levar a sério
O ponto de virada do episódio acontece quase como uma piada dita na hora errada. Irritada, cansada e acuada pelo excesso de gentileza, Carol solta uma frase que poderia ter ficado no campo da ironia: seria ótimo ter uma granada.
O problema é que o hive-mind não entende ironia. Ele entende pedidos. E pedidos precisam ser atendidos.
Quando Zosia aparece, horas depois, com uma granada real na mão, “Granada” deixa de ser só uma metáfora sobre luto e passa a lidar, literalmente, com poder de destruição nas mãos da única pessoa que ainda pode dizer “não”.
A sequência é tensa e, ao mesmo tempo, profundamente trágica: Carol trata o objeto como se fosse falso, puxa o pino, brinca com a própria raiva, até perceber que aquilo é real demais. Zosia se joga sobre o explosivo para protegê-la. A explosão não só fere Zosia, como fere a ideia de perfeição da colmeia, que falha em sua missão básica: proteger todo mundo, o tempo todo.
Nesse momento, a série mostra duas coisas de uma vez: O sistema é literalmente obediente demais, a ponto de virar ameaça e Carol não é só vítima, ela também é risco.
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O “sim” que assusta mais do que qualquer “não”
No hospital, enquanto Zosia é tratada, vem a cena mais inquietante do episódio. Carol finalmente verbaliza o que o espectador já desconfiava: até onde vai essa obediência?
Ela começa a fazer perguntas diretas ao representante do hive-mind.
Se pedisse outra granada, receberia? E uma arma mais potente? E uma bomba nuclear?
A colmeia hesita, tenta explicar consequências, busca contexto. Mas, quando Carol insiste em um simples “sim ou não”, a resposta vem: sim. Se um imune pedir, a mente coletiva entrega. É assim que funciona.
Nesse ponto, “Pluribus” escancara o verdadeiro terror do episódio 3: não é só sobre uma granada, é sobre um sistema que não sabe negar nada, mesmo quando isso coloca todo mundo em risco.
O capítulo transforma essa rigidez em espelho do mundo real: quantas vezes estruturas que se vendem como protetoras, eficientes ou tecnológicas entregam poder demais para quem menos deveria tê-lo, sem nenhum freio? Aqui, o livre-arbítrio de uma única pessoa é capaz de detonar um planeta que decidiu abrir mão do conflito em nome da paz.
Entre autonomia e conforto: qual é o preço?
Ao final de “Granada”, Carol está mais só do que nunca e mais perigosa também. Ela descobre que o coletivo não consegue dizer “não”, que qualquer desejo dela pode ser atendido, por mais absurdo ou violento que seja e que sua dor continua sendo um ponto cego para o sistema, que tenta “otimizá-la” em vez de aceitá-la.
O episódio 3 de “Pluribus” não oferece respostas fáceis. Ele reforça a pergunta que a série vem construindo desde o começo:
o livre-arbítrio ainda é livre se for completamente inofensivo?
Para o hive-mind, idealmente, sim: ninguém deveria querer ferir ninguém. Para Carol, tirar a possibilidade de causar dano é tirar uma parte essencial do que significa ser humano, inclusive a parte feia, egoísta, destrutiva.
“Granada” é, no fim das contas, menos sobre explosões e mais sobre limites. É sobre até onde um mundo “perfeito” pode ir sem se tornar opressor, e até onde alguém ferido pode ir sem arrastar tudo com ela.
Não é o episódio mais espetacular visualmente, mas é um dos mais importantes até aqui: coloca uma granada metafórica bem no centro da narrativa e avisa que, daqui pra frente, cada “sim” pode custar caro demais.
Imagem Destacada: Divulgação/AppleTv+
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