Um artista completo e promissor
Por Daniel Gravelli
Conhecido no meio da dança e por suas elogiadas participações em diversos musicais, o ator e coreógrafo Victor Maia pretende mostrar cada vez mais o seu talento e, com isso, provar que veio para ficar.
Fazendo pós-graduação em Preparador Corporal pela Escola de Dança Angel Vianna, e com Licenciatura em Artes Cênicas pela conceituada UNIRIO, o carioca de 31 anos acumula um currículo de respeito nas funções que exerce. Como coreografo, assinou o estrondoso sucesso “The Book Of Mormon” de Rubens Lima Junior e, como ator, pôde ser visto em “S’imbora – O musical”, “Quase Normal”, “Alô Dolly” e “Meu sangue ferve por você”.
Atualmente, é responsável pela coreografia do quadro “Lata Velha” no Caldeirão do Huck da Rede Globo e ainda interpreta Ethan na montagem brasileira do musical “Ou Tudo ou Nada”, sucesso nos cinemas na década de 90 e também aplaudido na Broadway.
Além de ser dirigido pelo respeitado Tadeu Aguiar, no musical, protagoniza uma das cenas mais irreverentes do espetáculo. Confira a entrevista a seguir e saiba um pouco mais sobre a vida desse artista que vem despontando cada vez mais no mercado.
PULP! – Cada artista possui o seu próprio “chamado”, digamos assim. É o momento quando coração bate mais forte, indicando que talvez seja aquele o caminho certo. Quando nasceu o seu interesse pela vida artística? Foi a dança ou a atuação que, primeiramente, lhe chamou mais atenção?
VICTOR MAIA – Eu, desde pequeno, segundo minha mãe, diariamente, colocava minha família sentada na sala, fantasiava meu irmão mais novo e fazia performances circenses com ele, nos denominando “Os irmãos Pereira” (pereira é meu último nome) e, nessa época, com 4 anos, quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse eu respondia que queria ser “alguma coisa de palco”. Eu não tenho consciência desses fatos, então acho que o meu chamado veio quando eu saí da barriga da minha mãe. Sempre adorei assistir teatro… dança… cantava com minha tia no violão precário dela. Estar envolvido com alguma manifestação artística era uma coisa que me atraia muito e um desejo que não cessava. Aos 4 anos entrei no meu primeiro curso de teatro e aos 6 estava estreando meu primeiro musical infantil profissional, dirigido pela magnifica Henriqueta Brieba. Depois disso só me lembro de seguir estudando e trilhando meu caminho até chegar aqui, nessa entrevista. Para o teatro musical, o que me fez cair de amores e despertou o meu interesse em estudar e me aprofundar nessa estética foi quando, em 2003, eu assisti a montagem de Godspell, musical da Broadway, dirigido naquele momento por Miguel Falabella no Brasil. Ali, eu fiquei encantado! Eu já cantava e dançava em teatro, mas aquilo era uma versão mais madura e profissional do que eu fazia em cena. Entendi naquela poltrona, nas 6 vezes que assisti, que precisava estudar e estar ali com aquelas pessoas fazendo aquilo.
P! – Na dança, um dos principais pontos de trabalho é a possibilidade de domínio corporal. O que é essencial também na carreira de ator mas, infelizmente, nem todos o possui. O que essa capacidade rendeu para sua carreira de ator?
VM – Eu sinto que minha percepção espacial e corporal é mais refinada do que de alguns colegas, infelizmente. A dança proporciona uma consciência diferenciada. Até na rua. Dificilmente esbarro em alguém numa praça movimentada (rsrsrsrs), tenho visão periférica. sei proteger meu corpo em tropeções e quedas. Eu, além de dança, fiz anos de judô e capoeira. Essas atividades me trouxeram uma segurança corporal que eu carrego, sem duvida, para a cena. Já coreografar me garante uma capacidade de “resolver fisicamente qualquer problema que surja na cena”, porque não tem como eu me desligar completamente quando estou somente atuando. A bagagem toda está ali comigo. Por exemplo: eu sinto o desequilíbrio em cena, na posição ou marcação, caso algo aconteça de forma imprevista durante a mesma, eu automaticamente conserto. É como um improviso mais consciente, porque o coreografo é como um diretor, que mexe com a dança.
P! – Constantemente ouvimos alguns atores dizendo não ter interesse por musicais e, por isso, não acrescentam a dança em seus currículos. Na sua opinião a dança é uma necessidade a ser utilizada somente em musicais, ou existe algum preconceito do ator em desenvolve-la como técnica e/ou inspiração de trabalho?
VM – Pelo amor de deus! A dança não é para quem só quer fazer musical (até porque tem atores de musical que não fazem aula de dança e tem um resultado comprometedor em cena). A dança faz o ator entrar em contato com o próprio corpo, propiciando uma consciência corporal mais azeitada, dinâmica, além de resistência física, tônus e noção espacial. Eu brinco que meus filhos vão fazer dança para aprender a andar na rua sem incomodar as pessoas. Eu, além de coreografo, trabalho com preparação corporal que é um trabalho completamente diferente e é notório no rendimento do ator quando ele não passou pela dança. Assim como no canto, que o ator precisa fazer independente de ser ou não de musical! A gente que tem o corpo como principal material de trabalho precisa vivenciar tudo aquilo que possa refiná-lo e desenvolve-lo. E a dança e o canto fazem isso na vida do ator. Seja de musical ou não.
P! – O seu primeiro trabalho no teatro, foi em um espetáculo chamado “Gardel – um musical de tangos”. Como foi estrear fazendo um trabalho voltado para um dos estilos de dança mais difíceis?
VM – Foi uma surpresa, porque eu jamais havia dançado tango! Tive um mês e meio para aprender, fazendo aulas com um argentino que fazia a nossa preparação e aproveitando tudo que o coreografo tinha pra nos oferecer, durante os ensaios. Não sou tangueiro, mas me viro bem hoje em dia.
P! – Um de seus trabalhos, como coreógrafo, é o “The Book Of Mormon”. O espetáculo foi muito elogiado pela crítica e também um sucesso de público. Quais foram suas maiores dificuldades durante a preparação do mesmo?
VM – Foram oito meses de preparação e dentro de um grupo tão heterogêneo onde haviam bailarinos, alguns até clássicos, atores que nunca dançaram, caratecas e etc. Eu precisava desenvolver um trabalho onde tornaria aquele grupo homogêneo. Precisava que eles tivessem uma identidade corporal parecida para contarmos aquela história. Haviam dois grupos: os africanos – que dançavam o kuduro, danças afro e afins – e os mórmons – que resgatavam uma característica de street dance, boy bands e etc. Eu tinha que fazer nascer naqueles jovens atores tais estilos e montar coreografias, quais o público ficasse tão vidrado que não notariam possíveis falhas. Com o tempo conseguimos, com louvor, atingir os objetivos e as coreografias ficaram melhores do que eu imaginava, inclusive no grau de dificuldade. Nas últimas temporadas, eu entrei no lugar de um dos protagonistas, o Leo Bahia, e sentia dificuldade para dançar aquilo que eu mesmo havia criado.
P! – A cena artística nos Estados Unidos sempre foi muito elogiada, seja pela qualidade de suas produções, diretores ou até mesmo o empenho de seus artistas durante todas fases de um projeto. Você já teve a oportunidade de trabalhar com dois diretores americanos nos espetáculos “Baby – O musical”, dirigido por Fred Hanson, e “Esta é a nossa canção”, dirigido por Charles Randolph-Wright. Quais são as similaridades e as diferenças existentes entre o estilo de trabalho desses diretores e dos brasileiros?
VM – Eles não deixam escapar nada! Nada passa batido pelo olhar deles. Desde a encenação ate a parte técnica do espetáculo. Luz, orquestra, mudança de cenário, concepção artística, interpretação, coreografia… Tudo anda colado, funciona como se fosse uma partitura completa de uma obra clássica onde todos os instrumentos tem que estar afinados, entre eles, de maneira minuciosa. Os americanos tem o tino para alertar se algo ameaça essa “orquestração”. No brasil, a gente trabalha muito com a intuição! Não digo nem que isso seja bom ou ruim. Vejo, na minha experiência, que a experimentação tem mais espaço dentro do processo criativo do diretor brasileiro. Durante o processo vamos nos dando conta de que “isso aqui serve… E isso não… Isso ajuda.. Isso atrapalha…”. Eles reconhecem o nosso estilo genuíno e deixam a gente mais a vontade para dar um texto e conceber um papel que iremos interpretar já que sabem, nesse caso, o resultado daquele processo até por conhecerem melhores os atores que tem nas mãos.
P! – Fale um pouco mais de seu trabalho no “Lata Velha” do caldeirão do Huck. Como é o processo de realização do quadro, e quanto tempo você tem para criar as coreografias e ensinar as pessoas?
VM – No lata velha, uma pessoa que (geralmente) nunca teve uma vivência artística, para ter seu carro reformado, precisa passar por uma prova onde deve cantar e/ou dançar, interpretando algum astro da musica, ou clip, ou personagem de musical, seja no cinema ou no teatro. Já fizemos de Grease a Shakira… Passando por Reginaldo Rossi e Spice Girls! Eu tenho geralmente 10 dias para conseguir transformar o convidado naquele personagem! Isso inclui conceber coreografia, ensinar os passos e refina-los para o grande dia da prova. É muito desgastante! O mais difícil para mim é fazer com que a pessoa consiga se entregar àquele momento. Eu sou ator e sempre fico tenso antes de entrar em cena, e faço isso há pelo menos 20 anos. Imagina alguém que nunca subiu num palco ter que enfrentar 400 pessoas e câmeras na sua frente? É um trabalho que além de desenvolver o lado artístico daquelas pessoas, também trabalha a questão da auto confiança, porque é de fato uma superação. E por mais difícil que pareça eu sempre me emociono no final, porque é notório que elas saem transformadas! O olhar delas muda. A atitude delas na vida muda. É lindo de ver!
P! – Já ocorreu algum episódio no quadro no qual foi realmente impossível realizar uma coreografia?
VM – Ocorreu, mas eu dei um jeito! A participante não conseguia, por nada, decorar a coreografia, e eu precisei adapta-la para tornar mais simples. E ainda assim não foi possível. Eu tinha 4 bailarinos em cena com ela, um dia antes da prova eu remarquei a coreografia inteira e os bailarinos ficavam carregando ela de um lado para o outro e eu só mandava a convidada sorrir e cantar, e se deixar levar! E acredite, ela errou a prova na hora! Os bailarinos puxavam ela para um lado e ela ia para o outro e eu só conseguia suar naquele ar condicionado do estúdio a 15 graus! No final das contas a plateia votou e ela conseguiu recuperar o carro. Porque a plateia não percebeu que aquilo tudo não fazia parte da coreografia. Eu quase arranquei o carro dela! Mas, ao mesmo tempo, eu vi que dentro do limite dela, ela havia evoluído. E merecia aquela recompensa. A prova não era fácil! E ela executou da melhor forma que ela poderia.
P! – Você fez parte do musical “Quase Normal”, com a Vanessa Gerbelli e direção de Tadeu Aguiar, que recebeu 3 indicações para o prêmio APTR (Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro). Além disso, por ele, você também foi indicado como ator coadjuvante aos prêmios Bibi Ferreira e Cenym. Como foi participar desse projeto?
VM – O quase normal foi um divisor de águas na minha carreira! Foi o meu primeiro grande papel num musical originário da broadway (tanto que tatuei uma frase da ultima musica que eu cantava na costela). Eu era o único ponto de humor do espetáculo que era super denso. Fazer a plateia rir enquanto enxugava as lágrimas, entre uma cena e outra, não era uma tarefa fácil. Eu fui muito bem dirigido pelo Tadeu, mas também usei muito a minha experiência com humor e, claro, a minha intuição (olha ela ai de novo). Aprendi muito nesse espetáculo. Uma partitura dificílima, super bem trabalhada pela nossa diretora musical Liliane Secco, colegas super talentosos em cena… Nós tínhamos um jogo cênico muito preciso. Nada podia dar errado e nada dava! Era tudo na medida. Não atoa, o espetáculo foi indicado a mais de 20 categorias. Daqui a uns 7 anos eu vou querer remontar e fazer. Não o mesmo papel, obviamente, já que foi ousadíssimo interpretar um menino de 16 anos aos 29!
P! – Você voltou a ser dirigido por Tadeu Aguiar em “Ou tudo ou nada”, grande sucesso no cinema e na Broadway. Como surgiu o convite para o musical, ou você se inscreveu e participou de alguma seleção?
VM – Eu fui convidado pelo Tadeu quando estava fazendo o “S’imbora, o musical – a historia de Wilson Simonal”. Nesse espetáculo, eu também tinha uma grande participação na parte cômica e acho que isso o animou. Ele já conhecia meu trabalho, pois trabalhamos juntos, antes, em 3 espetáculos. Mas, ver o meu amadurecimento em cena o fez fazer esse convite, acredito eu.
P! – Na peça você precisa interpretar uma pessoa que não leva o menor jeito para dança e, mesmo assim, acaba fazendo strip-teaser para pagar as contas. Foi complicado dar vida a um personagem tão diferente de você?
VM – Foi muito divertido! Eu já havia interpretado, anteriormente, um personagem que não dançava nada no musical “O meu sangue ferve por você” e, nesse espetáculo, eu me inspirei no meu padrasto que não tem um pingo de ritmo naquele corpo. No “Ou tudo ou nada”, o Ethan consegue se desenvolver no decorrer da história e não vou negar que me inspirei em 3 pessoas que tive que trabalhar no “lata velha”. Eu, de verdade, acho que o fato de ser bailarino me faz ter a capacidade de fazer o inverso: dançar fora de ritmo, trocar os pés… É um exercício difícil mas, com treino, fica muito bom o resultado. Todas as pessoas que sabem que eu danço, no final da apresentação, vem rindo falar comigo sobre essa experiência, e eu fico feliz por ter a confirmação de que estou fazendo um bom trabalho dançando tudo errado.
P! – Durante o espetáculo você aparece nu em duas cenas. É a primeira vez que trabalha com a nudez? Como foi o processo de ensaio para que essas cenas não se tornassem banais?
VM – A nudez no musical é muito bem colocada! Está completamente dentro do contexto. Os 6 homens precisam se livrar dos seus medos, preconceitos e bloqueios morais para enfrentar aquela situação e a nudez entra de forma literal no espetáculo, mas serve como uma bela metáfora! Durante os ensaios nos não tirávamos a roupa. Ficávamos só de cueca. No teatro fizemos ensaios com luz e só quando tínhamos domínio do movimento da luz começamos a tirar a roupa toda. Eu não fiquei preocupado! Nunca tive problemas com meu corpo. Alias, tive: com a minha orelha que era de abano e eu já operei. Ficar pelado, realmente, não me deixou muito nervoso. Todos nos 6 estávamos muito tranquilos e a vontade para fazer a cena de nudez. Eu ainda tenho uma cena a mais que eles, visto que na entrada do meu personagem, que tem o maior pênis do grupo, abaixa as calças e mostra tudo eles. A plateia só vê a bunda, nesse momento, mas eles veem tudo. Se eu não confiasse seria uma tensão diária esse momento.
P! – Você é formado em artes cênicas pela UniRio e agora está fazendo pós-graduação em preparação corporal pela Angel Vianna. Pretende parar por aí sua formação ou tem outro objetivo para atingir?
VM – Eu estou com a pós graduação trancada por conta dos trabalhos que surgiram. Pretendo terminar e seguir no mestrado e doutorado, quero seguir pesquisando o corpo no teatro musical.
P! – Quando acabar a temporada de “Ou Tudo ou Nada”, quais são seus planos para o futuro? Tem algum outro projeto em vista?
VM – Estou com dois projetos meus engavetados! Um está saindo agora para captação, que é um musical original escrito e dirigido pelo Leandro Muniz, que é autor de programas de humor no canal Multishow e dos filmes “Meu passado me condena 1 e 2”. É um musical que vai falar de situações reais que eu e outros amigos atores passamos em comum. O outro projeto é um musical que foi feito há 15 anos pelo Miguel Falabella, que gentilmente me cedeu as divertidas versões, e será dirigido pelo Flavio Marinho, que foi autor desse mesmo projeto naquela época e vai adaptar. O nome não será o mesmo e o roteiro também não. Será uma releitura. Mas, ficará provavelmente para o ano que vem.
P! – Para o ator que deseja começar ou seguir a carreira nos musicais, qual o conselho você daria?
VM – Estudar! E não parar nunca! O mercado está crescendo e, com isso, a concorrência também, porque todo mundo quer entrar para esse mundo encantado. O que acontece é que as pessoas não estão tendo paciência para se aperfeiçoar. Querem estar prontas para trabalhar, mas não querem buscar informação. E o que sustenta o artista é a base que ele carrega através de suas experiências nos palcos e, principalmente, dentro das salas de aula. Estudar é essencial! Meu pai me disse que para nos mantermos em qualquer carreira precisamos ser os melhores. E ser o melhor requer muito esforço. Eu trabalho com musical há 7 anos e não parei de estudar. Eu vejo a minha carreira crescendo aos poucos, ano após ano, e ainda assim sinto necessidade de procurar informação. Faço aula de canto, de dança e interpretação, mesmo tendo me formado na UniRio. É importante demais o artista ter a humildade de reconhecer que precisa se reciclar. O Rio de Janeiro recebeu uma escola – que inclusive eu dou aula de dança – ano passado: o Ceftem (Centro de Formação em Teatro Musical), dirigido pelo, também ator, Reiner Tenente, que é um excelente caminho para quem quer se aperfeiçoar. Professores qualificados, atuantes no mercado e cheios de experiências para trocar. Jabá feito! Só não estuda quem não quer!
Fotos: Arquivo/Reprodução
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