Religião é sempre um assunto delicado e para muita gente algo muito íntimo. Mas o que acontece quando cineastas tentam mostrar seu olhar sobre o tema usando o cinema? Pode agradar alguns, irritar a outros… Gerar muita polêmica. Mas mesmo que coloquemos os debates sobre “o que é blasfêmia, ou não” de lado, têm alguns filmes que acabam marcando tanto o cinema (seja em termos de crítica, audiência ou até o próprio trabalho do cineasta), que entram para a história da sétima arte.
A lista a seguir enumera alguns dos filmes que falam sobre esse tema e que evidencia um pouco do olhar dos seus realizadores sobre religião, Deus e até seres humanos.
5 – Até o Último Homem (2016) de Mel Gibson
Nesse filme, Mel Gibson conta a história real do soldado Desmond Doss, que se alistou para servir como médico durante a Segunda Guerra Mundial, porém se recusou a pegar em armas por conta das suas convicções religiosas. Nesse drama épico, extremamente violento (como é natureza da assinatura de Gibson), é mostrado um personagem que defende suas convicções até as últimas consequências e quer defender seu país dos inimigos, sem abdicar de forma nenhuma dos seus dogmas religiosos.
Quando se assiste esse filme e conhece o passado de Mel Gibson, a concepção da intenção do diretor acaba sendo mais completa. Já que Gibson fez polêmica por discursos antissemitas, ser conhecido como católico fervoroso e ter uma visão política que acaba tendendo para o partido mais conservador dos Estados Unidos (Republicano).
É perceptível que até existe uma identificação do diretor com o personagem principal da história, que é quase condenado pelos seus superiores pela sua posição de como agir, luta da forma como acha melhor, sempre fala que é movido por uma força divina, tem reconhecido seu valor no final. E é brindado com uma cena que ilustra uma ascensão divina do protagonista no final do filme! “Até O Ultimo Homem” é o manifesto religioso de Mel Gibson pintado com violência e patriotismo.
4 – O Pequeno Buda (1993) de Bernardo Bertolucci
Como o próprio título nos mostra, o filme é feito para contar sobre a filosofia budista. E Bertolucci faz isso trazendo uma história de tom fantástico em que o cotidiano concreto de uma família americana materialista acaba se encontrando com a realidade de monges budistas, que aparecem dizendo que o filho desse casal é a reencarnação de um antigo mestre que eles anseiam reencontrar. Durante essa colisão de visões de mundo, a história de Siddhartha Gautama é contada com cenas plásticas e oníricas que ilustram seu trajeto até a iluminação que lhe rendeu o nome de Buda.
Bernardo Bertolucci quis fazer um filme sobre transição. Que falava de crianças se descobrindo e descobrindo o mundo em sua volta. E isso fica muito claro na forma que ele conduz a história. Todos os personagens se descobrem em uma jornada de crescimento, os pais do menino, a própria criança, Siddartha e até os próprios monges que contam a história e estão à procura de seu mestre, percebem a mudança que essa jornada trouxe para eles.
“O Pequeno Buda” é muito mais que um filme sobre budismo, ele pode ser definido como um retrato surrealista de pessoas que procuram um propósito e uma identidade para si.
3 – A Última Tentação De Cristo (1988) de Martin Scorcese
Um dos filmes mais polêmicos de um dos maiores diretores de Hollywood. “A Última Tentação De Cristo”, mostra um Jesus cheio de dúvidas, que não quer aceitar sua condição de Messias e demora até concordar com o mesmo. E mesmo depois de ter abraçado o seu caminho de Salvador, é tomado por dúvidas e em nenhum momento da sua trajetória ele escuta a voz direta de Deus. Com isso, toma suas decisões baseadas nas opiniões das pessoas em sua volta, inclusive Judas (que no filme é seu apóstolo mais próximo).
Scorcese traz um Jesus muito mais humano que divino, que se comporta como homem mundano em quase todos os momentos, desde seus diálogos com seus companheiros até o instante que é tentado por Satanás, sofre na cruz e pede para seu sofrimento cessar.
Por mais plena que seja a “consciência” do personagem tratado por Scorcese de que esse era o Messias, ele só se torna realmente o próprio quando entende a importância do seu papel para o mundo, depois de viver uma vida em que constituiu família, envelheceu, teve um lar, mas percebeu que a humanidade não aprendeu a lição que ele poderia transmitir através de um sacrifício.
O filme nos faz pensar nos possíveis conflitos internos que uma figura messiânica poderia ter, e que ela nunca seria tão importante quanto a interpretação que as pessoas teriam sobre o que ela passou.
2 – Mãe (2017) de Darren Aranofsky
Uma das maiores surpresas de 2017. “Mãe” é um filme que os trailers estavam vendendo como suspense/terror e a única coisa que pode ser dita que esse filme não é, seria um suspense ou terror.
Várias pessoas foram atropeladas por esse reflexivo projeto de Aranofsky e as discussões sobre a obra ainda estão quentes. Pessoas tentando classificar, explicar, simplificar ou problematizar o filme é algo muito frequente de se ver desde sua estreia. Essa também é uma obra que dividiu opiniões, mas algo que pode ser dito de todas as formas é que o filme realmente chamou a atenção.
A história acompanha um casal que está passando um tempo em uma casa isolada que está em reforma, até que eles recebem uma visita misteriosa de um homem perdido à noite. Depois da chegada desse personagem, começa uma sucessão de metáforas, surpresas e eventos que desencadeiam uma catarse de emoções e mudanças nos personagens (e no ambiente), que fazem o espectador ter uma experiência cinematográfica extremamente intensa.
Darren Aranofsky carrega seu filme com alegorias bíblicas, mas quem só enxerga essa camada na narrativa apresentada, realmente não conseguiu visualizar o todo. Existe também uma discussão sobre submissão feminina, descaso com a natureza e até deslumbre com a fama. O próprio diretor diz que percebe a Bíblia como um livro de histórias didáticas, que podem ensinar lições importantes. Independente do conteúdo ali escrito ser verídico ou não. Aranofsky mesmo diz que não vê muita diferença entre os mitos gregos e as histórias do novo e velho testamento.
“Mãe”, foi feito para não morrer na tela do cinema. É um filme que ganha vida depois que as pessoas saem da sessão, refletem sobre o que viram e interagem discutindo sobre o que acharam e assistiram. O diretor do filme não conseguiu realizar apenas uma obra de arte em que a película fala com a plateia, mas entregou uma experiência capaz de gerar interação da plateia entre si. Onde existe debate e reflexão após a “degustação”. Nos atrevemos a dizer que ele conseguiu proporcionar algo quase “religioso”.\
1 – A Vida De Brian (1980) de Terry Jones
Quando um dos grupos de comédia mais icônicos de todos os tempos decidiu fazer um filme sobre Cristo, os integrantes perceberam que não seria uma boa ideia. Poderia ofender muita gente e poderiam arrumar dores de cabeça. Então, o que fizeram? Decidiram fazer uma comédia sobre um judeu que se passa por Messias para salvar a própria vida. Qual foi o resultado de tudo isso? Muita polêmica!
“A Vida De Brian” traz o humor britânico no ápice, da forma que Monty Python era perito. Cenas com música, humor politicamente incorreto, piadas que desafiam a realidade e diálogos que são totalmente anacrônico para a época retratada. Mas toda essa salada, consegue ser feita na dose certa.
Mesmo que em nenhum momento o filme faça qualquer piada direta com Jesus Cristo, ele enfureceu vários religiosos, tanto cristãos quanto judeus e muçulmanos. A produção britânica acaba não trazendo apenas risadas gratuitas, que já tinham como certo a repercussão, mas consegue ser tão inteligente que – em quase todo momento cômico – alfineta a alienação de massa em todos os sentidos. Como se apresentasse uma resposta pronta para as pessoas que não gostassem do filme pelo motivo de dizer que “o conteúdo não passa de heresia”.
“A Vida De Brian” já tem quase 40 anos, mas ainda consegue ser extremamente atual. Chamar o filme apenas de uma comédia muito bem feita, acaba sendo um comentário incompleto. Já que esse consegue ser extremamente politico e sério, mesmo tentando fazer sua plateia rir.
Por Fernando Targino
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