A lenda da morte prematura e da vida intensa deixa de ser um folclore e torna-se real na vida de Álvares de Azevedo, autor de “A Lira dos Vinte anos”, que por uma ironia do destino viveu exatamente esses vinte anos e herdou essa lira como um retrato de sua própria veloz e curta existência.
Álvares de Azevedo foi um poeta do movimento romântico, no final do século XIX. Ele encarnou perfeitamente o estado de espírito da época, na qual o herói e maior modelo era Lord Byron. Álvares era mórbido, frustrado, jovem e tuberculoso. Desta forma, despejou na escrita e na poesia toda suas fantasias, anseios e revoltas mais profundas. Mesmo que exista algo fictício em sua lira, o fato é que ela explora todo o sentimentalismo e escuridão que não só ele, mas muitos jovens se encontravam naquele final de século tão frutífero para literatura brasileira.
Em seu livro, o escritor conta em versos o excesso, que é tão presente na juventude, principalmente àquele repleto de sentimentos angustiantes como o platonismo, a solidão e o saudosismo. Além da procura pela mulher amada, que quase sempre se mostra inacessível. O autor mostra de forma melancólica e triste, como ele deseja que seu amor se consolide pelo menos em seus sonhos – por conta de sua tuberculose, Álvares já aguardava a sua morte – ele devaneia sobre a possibilidade de viver este amor depois da morte, em um outro mundo. Um exemplo deste devaneio pode ser visto no poema “Cantiga”:
“Acorda, minha donzela, / Soltemos da infância o véu… / Se nós morrermos num beijo, / Acordaremos no céu”.
Já na segunda parte da lira, o autor aborda outra fase de sua vida – na qual todos os jovens em seus vinte e poucos anos podem se relacionar – na qual, pela primeira vez, sente-se parte de um grupo, e seus dias são vividos dentro da boemia estudantil da capital paulista, em meados do século XIX. No entanto, apesar das inúmeras distrações, ele se sente vazio e preenchido por um tédio existencial infindável.
Na terceira parte, o conceito do erotismo e dos desejos sexuais reprimidos é bastante explorado em poemas como “Seio da virgem” e “Meu desejo”, porém os assuntos são tratados com o mesmo tom melancólico e sentimental que na primeira parte, mostrando que por mais que o autor tente escapar, esses sentimentos o sufocam em todos os aspectos de sua vida, inclusive os mais práticos e físicos, que também são retratados em algumas de suas poesias.
O livro influenciou diversos autores e artistas brasileiros, no entanto foi Belchior – que deixou seu legado na MPB cantando a sua paixão pelas próprias paixões da juventude – que prestou a mais famosa homenagem ao autor. Ele compôs a sua própria versão da Lira dos Vinte anos, na qual colocou em seus versos o seu próprio vazio, seus anseios e desilusões mais intimas, que ele se deparou e observou em seus vinte anos. É seguro notar atemporalidade e veemência do texto de Álvares de Azevedo, que apesar de ter sido escrito no auge da melancolia e da morbidez do movimento romântico, também pôde ser compreendido pelos jovens no pulsante e turbulento Brasil dos anos 70.
“Os filhos de Bob Dylan, clientes da Coca-Cola
Os que fugimos da escola
Voltamos todos pra casa.
Um queria mandar brasa;
Outro ser pedra que rola…
Daí o money entra em cena e arrasa
E adeus, caras bons de bola!
Mamãe! como pôde acontecer?
Ah! meu coração-lobo mau não aguenta!
…e andarmos apressados
Deu em chegar atrasados
Ao fim dos anos cinquenta!
Meu pai não aprova o que eu faço
Tampouco eu aprovo o filho que ele fez
Sem sangue nas veias, com nervos de aço,
Rejeito o abraço que me dá por mês”.
(A Lira dos 20 anos – Composição: Belchior)
Entre os grandes poetas brasileiros, Álvares garantiu seu lugar postumamente. “A Lira dos Vinte Anos” foi publicada após sua morte no ano de 1953, e o livro foi organizado pelo autor em 1852, quando morreu.
Seu talento é arrebatador, levando em conta principalmente a pouca idade. Apesar da grandiosidade de sua obra, Álvares foi mais um jovem que foi profundamente impactado pelo “Mau do século”, e se tornou um representante de seu tempo nesta antologia poética, na qual envolveu-se em demasiado nos questionamentos existenciais, sendo angustiado e sonhador demais.
Em sua poesia misturava realidade, lirismo e fantasia, e acima de tudo exibe o eterno interesse dos jovens pelo amor inacessível, mas ele também anseia por sua própria morte, aceitando seu papel na sociedade como uma pessoa além do seu tempo, porém deslocado, mórbido e melancólico – tal como os maiores autores de toda a geração ultra romântica.
Por Thayane Maria
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