Roteiro fraco, crítica esvaziada, atuações batidas; “Round 6” se tornou uma caricatura de si mesma
O maior sucesso dos streamings de todos os tempos está de volta para sua segunda temporada. “Round 6” (ou ‘Squid Game’) estreou dia 26 de dezembro, um presente ao telespectador que não terá sua ceia de Natal estragada por esse fiasco. Confira nossa review, sem spoilers, abaixo.
Tudo que você podia ser sem medo
“Ao fazer essa série, constantemente me perguntava: ‘Será que nós humanos temos o que é necessário para tirar o mundo desse caminho ladeira abaixo?’. Honestamente, eu não sei.”
Hwang Dong-hyuk, diretor de Round 6, para a Rolling Stone.
Com o sucesso explosivo de “Round 6” no streaming, quebrando todos os recordes que a Netflix quiçá jamais imaginava, uma segunda temporada já era dada como segura para todos; é a lei do dinheiro. Em recente entrevista para a Rolling Stone, seu diretor, Hwang Dong-hyuk, até admitiu bravamente que estava fazendo-o apenas por dinheiro. Esse não é o tipo de coisa que se diz, ao menos em público, e é apenas mais uma das montantes contradições que a série tem tecido para se enforcar.
Assim que saiu a primeira temporada, nós da Woo! fizemos uma review com saldo positivo para a série (nota 4.1), reconhecendo seus acertos e suas fraquezas, à altura já bem evidentes para qualquer adulto que faça parte de 99% da população da Terra; essa, vale ressaltar, não foi uma avaliação pensando em qualquer aspecto político, senão da qualidade da produção, muito embora seja impossível tecer qualquer análise ideologicamente isenta, ainda mais em produções em que esse é o cerne da trama — somos todos seres humanos, imbuídos de contradições, traídos pela linguagem.
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Se à época de seu lançamento já choveram críticas pelo apelo a violência como moeda de barganha por audiência, ainda se poderia fazer ressalvas na condução da própria trama. De lá para cá o mundo não mudou, seguimos mais paranoicos, individualistas, com o senso crítico mais corroído.
E não poderia ser diferente. Um grande risco ao estender obras — para além contemporâneas das questões do adoecimento da humanidade — é exagerar sua características ao ponto delas perderem o sentido (vide o fenômeno da flanderização, observada em obras como “Os Simpsons”, “Bob Esponja”, para citar alguns exemplos), e em Round 6 vemos isso ocorrer com toda pompa; é a morte do bom senso e de qualquer finesse.
Veja bem, não há razão para apenas uma interpretação ser a correta, muito menos que a vontade e pensamento do diretor sejam verdades absolutas — esse é seu ponto de vista humano e criativo, e nem tudo é feito de forma consciente. Essa, contudo, é uma obra escancaradamente crítica ao capitalismo, centro do argumento da série: acima de quaisquer comentários contra ou a favor, há antes a habilidade da série de construir um argumento, que pode ou não ser contraditório e, caso seja, isso não necessariamente é um demérito; este pode ser justamente o que a torne especial.
Antes das críticas mais pesadas, vamos ao não-tão-óbvio-assim.
Direito a ser contraditório
Que bagunça.
Round 6 foi e é um fenômeno não só entre adultos, mas entre crianças também — destarte a série não ser recomendada, por motivos óbvios, para menores de dezoito anos. Basta entrar em jogos como Roblox, ou no próprio YouTube, e se deparar, sem muito esforço na busca, com conteúdo infantil satirizando e gamificando a narrativa.
Dessa forma, uma bifurcação se abriu assim que a preparação para a segunda temporada começou: I – abraçar de vez a veia política e tentar amarrar isso da melhor forma; II – tornar a série ainda mais estúpida e focada nos jogos e na violência gratuita. O carro da produção aparentemente fez drift no túnel, escolheu pegar os dois caminhos, pegou fogo e explodiu; não foram registradas vítimas, só o restante da massa encefálica que ainda sobrava do espectador persistente.
Já era esperado que isso fosse acontecer, só que o nível baixou surpreendentemente rápido. Os primeiros dois episódios dão plano de fundo para a vingança que o protagonista Seong Gi-hun arquiteta contra os ricaços organizadores, e céus nos perdoem, mas que tédio. Segundo o próprio criador, pela quantidade de episódios, a 2ª temporada seria dividida em duas partes — sete episódios agora, e mais oito para a 3ª em 2025. Precisava?
Julgamos que não. Uma segunda temporada mais longa e que desse fim a trama parecia razoável, e isso não é exagero. Além de poderem cortar o ‘pré-game‘ para flashbacks, o próprio rufar dos tambores de guerra poderia ser enxugado do episódio um e dois, mas também de todas as cenas posteriores que vimos da equipe ao longo dos outros cinco episódios.
Isso não é tudo: as sequências de votações que põe lenha na fogueira estão longe de serem desnecessárias, porém criaram uma barriga difícil de engolir e que não construía tensão alguma, pois os resultados eram óbvios. Nesse Festival Promessas, o público ficou na chuva esperando o eterno vem aí, que simplesmente não veio.
Como bom enlatado, as críticas tem de ser o mais rasas e facilmente deglutíveis para se atingir o maior público possível sem causar grande estardalhaço. Espere as referências mais básicas que até mesmo a consteladora familiar calora do seu grupo de yoga lançaria; “você já assistiu Matrix?“, “o mundo lá fora (…)”, etc.
Certo, muitas delas podem não ser tão sutis assim, mas ainda estão lá e seguem como algum bom trabalho de roteiro e produção: a alienação da democracia, participantes como meros números da engrenagem — como trabalhadores que são apenas úteis enquanto puderem produzir (excluindo-se assim os doentes, grávidas, idosos, mulheres, etc.) — os traidores entre os comuns, a lógica de produzir rivalidades para distração, etc. Mas que diabos é essa obra? Um catálogo de alegorias?
Logo nos primeiros episódios somos expostos a uma plétora de cenas de assassinato com temas clássicos (como o ‘Danúbio Azul’ de Johann Strauss), num uso batido, mau coreografado, sem impacto, do que já foi feito à exaustão na cultura pop — quem é que aguenta essas cenas Hitchcock e Kubrick wannabe tão mal encaixadas?
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Não somos cegos, ainda que a maioria da população não veja ou prefira se cegar para não adoecer pela loucura. Basta abrir a janela e ver como está o mundo, nem sempre foi assim, e a explicação não é tão simples como vendê-la como produto da natureza do homem — essa é uma das razões do sucesso de Round 6 — ou “Parasita” (2019). Uma obra, contudo, não é boa porque ela tenta abraçar o mundo e fazer olimpíadas de quem sofre mais — se fosse assim Rupi Kaur seria uma excelente artista.
Não basta falar sobre depressão, incêndio no Cerrado, golpes financeiros contra idosos, (…) — ou seja qual mazela você queira se debruçar — que se terá um bom trabalho de arte. Se sobra verossimilhança em Round 6 (pelos paralelismos com o mundo real), falta bom senso estético-argumentativo: a trama peca pelos excessos: grandes buracos, filosofia de boteco, e montagem ruim. Na ânsia de agradar, voou perto demais do Sol.
Há de se argumentar que o apreço pela violência é uma crítica irônica e sagaz da série; grande besteira; as mortes da série tem tanto valor irônico quanto assistir Brasil Urgente numa quarta-feira. É evidente que, vivendo onde vivemos, uma das primeiras coisas a serem citadas é o quão é cômodo se fazer uma crítica dentro do sistema que “de alguma forma usufruímos”.
Ao que isso possua um fundo de verdade, é o tiro pela culatra para dois pontos: I – colocamo-nos como os camponeses, em plena Europa feudal, que não podem reclamar de sua exploração; II – para a própria série, pois ela, imbuída de contradições inerentes à condição humana, teria passe livre para ser hipócrita e ter na sua própria hipocrisia uma crítica metalinguística. Não é preciso destrinchar os absurdos expostos em ambos itens (esperamos).
“Enquanto o mundo não mudar, o jogo vai continuar existindo”
Ah, que duplo sofrimento: assistir uma sátira ruim dos últimos dias da humanidade, e encarar como nada nessa pocilga se fecha.
No ímpeto de enfrentar os poderosos, Seong Gi-hun, o Cebolinha de Seul, vem até nós: “tive uma ideia!”. Que tal sabotar o jogo por dentro, mas ignorar os bilionários que estão acima do bem e do mal, muito melhor articulados, e mirar no criador do jogo? Mesmo confrontado pelo próprio marionetista Hwang In-ho, após vê-lo condensar moléculas da mais pura burrice, isso não parece desviá-lo de sua meta. Seria essa mais uma metaironia, ou vamos mesmo ter que usar o capitalismo como desculpa para qualquer furo e aplaudir essa peneira audiovisual?
“Round 6” não criou a doença, mas é um sintoma de que algo vai mal. A lógica voyeur barata, das narrativas de heróis e vilões, policialescos sensacionalistas, e realities com gente babaca, é a mesma da qual estamos expostos todo dia, e se restou apenas isso de atrativo, nem precisa exumar o cadáver. Vamos então falar dos personagens.
R6 até que tenta conversar com temas pertinentes, como as apostas, criptomoedas, e a estrutura de jogo de azar da economia, mas falha ao entregar carisma. Se até temos personagens pateticamente identificáveis e pelos quais torcemos mais, como Park Yong-Sik (007, filho) e Jang Geum-ja (149, mãe), até devemos dar os louros às interpretações de Yang Dong-geun e Kang Ae-shim, mas isso foi apenas mais do mesmo comparado à primeira temporada.
O destaque fica para Lee Jung-jae como o protagonista Gi-hun, que está insofrível nesses sete episódios, mas não é sua culpa (senão do roteiro), e para Park Sung-hoon, como a moça transgênero Cho Hyun-ju — a falta de atores trans na Coreia já é um sinal de alerta, e aqui o ator foi brilhantemente sensível, facilmente o ponto alto da temporada. Em um mesmo buraco em que todos estão teoricamente equalizados, outras formas de opressão e divisão surgem, e ao menos nisso a série não ativou o modo implosão.
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Choi Seung-hyun (T.O.P) é Choi Su-bong, o rapper Thanos (230), principal “vilão” da temporada entre os participantes. O sadismo expresso em seu transe de ecstasy meio a tanta violência é também um exagero acertado; a ganância pelo desejo de acumulação infinito para um sistema hermético e finito há de, profeticamente, levá-lo à queda sem nenhuma surpresa.
Resumindo
Saldo final: negativo, ainda dá para se divertir, mas é melhor tentar pensar em outra coisa enquanto as imagens estão na tela, talvez ligar no Datena e dar umas boas risadas — o efeito vai ser o mesmo. E um lembrete que o sistema não premia inovação, mas réplicas.
A missa de sétimo dia do bom senso será fechada à família.
Imagem Destacada: Divulgação/Netflix
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