Literatura de cordel é um tipo de poema popular, oral e impressa em folhetos que geralmente são expostos em cordas ou os chamados cordéis, que originou seu nome. Original de Portugal, que tinha como tradição pendurar folhetos em barbantes, essa arte se desenvolveu de forma mais significativa no Nordeste do Brasil.
Com a escrita em forma ritmada e, em muitos casos, ilustrados com xilogravuras (técnica na qual se usa madeira como matriz e a reprodução da imagem é geralmente gravada sobre papel), essa arte continua a encantar àqueles que tem a oportunidade de ter conhecê-la. Suas temáticas são as mais variadas possíveis, indo de romances a críticas sociais e políticas.
Uma questão que chama a atenção nessa manifestação artística é a grande predominância de escritores do sexo masculino. Houve um tempo em que a mulher não era permitida essa prática, e aquelas que resolviam fazê-la mesmo assim, em alguns casos criavam pseudônimos masculinos para que seus escritos pudessem ser aceitos. Talvez pela época em que chegou por aqui ou mesmo pelo machismo nosso de cada dia, o que importa de fato é que hoje já existem mulheres cordelistas sim, que desenvolvem um trabalho de excelência e por isso, preparamos uma lista com alguns desses nomes para que você possa se deleitar.
1- Rita Medêro: cantadora e poetisa, era muito solicitada para as festividades locais e ficou famosa tanto pela sua música como pelo seu estilo “boêmio” – principalmente pela capacidade de ingerir bebida alcoólica – causando verdadeira revolução no mundo masculino da poesia popular, também no século XIX.
2- Maria Godelivie: escreve histórias que contam o dia a dia, a realidade das pessoas comuns ou histórias sobrenaturais; muitas dessas histórias foram contadas por sua mãe Yolete Cavalcanti de Oliveira, que era uma excelente contadora de histórias, fato que deu asas para a criação imaginária de Maria Godelivie, que hoje as reconta na poesia dos seus cordéis. Também foi extremamente incentivada pelo pai dela que amava cordeis e os lia para ela quando criança.
“Minha nossa! Meu Senhor!
Onde fui eu me meter,
Arranjar duas mulheres?
Eu não tinha o que fazer?
Agora já não sei mais
Como o caso resolver
Sou casado de aliança
Perante padre e juiz
A mulher legítima é braba,
Prometeu? Faz o que diz,
E eu, o que vou fazer
Com esse impasse infeliz”
3- Vicência Macedo Maia: publica em 1972, em Salvador(BA), o folheto A B C da Umbanda que foi um marco primeiro por se tratar de uma mulher escritora e segundo, pois seu poema mostrava um lado favorável da Umbanda, o que era bem diferente do restante dos escritores que não apresentava o espiritismo afro-brasileiro por essa ótica.
4- Maria José de Oliveira: Conhecida por seus versos e por ser a principal cordelista feminina em Maceió, Maria José de Oliveira, a “Mariquinha”, traz consigo a marca de 40 cordéis em 34 anos de escrita. “Comecei lendo cordel para os meus avós. Quando tinha 19 anos, tentei fazer um curso de auxiliar de enfermagem, mas por sofrer com ataques de epilepsia, não pude continuar”, conta. A partir daí, Mariquinha se dedicou a escrever cordéis. Hoje em dia, ela é chamada para dar palestras em escolas e divulgar seu trabalho.
“Senhores vou descrever
Com bem pontualidade
Pois o valor desta história
De empolgante verdadeira
É um dos maiores fatos
De toda a Humanidade”
5- Salete Maria: É uma cordelista feminista brasileira. Atualmente trabalha como professora do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da Universidade Federal da Bahia-UFBA. Durante anos, foi professora do Curso de Direito da Universidade Regional do Cariri-URCA, sediada no sul do Ceará, onde por mais de uma década também foi advogada de mulheres e homossexuais vítima de violência, tendo, inclusive, peticionado em formato de cordel. É membro-fundadora da Sociedade dos Cordelistas Mauditos(sic) – um importante movimento de jovens poetas, cantadores e performers fundado no ano 2000 em Juazeiro do Norte.
Trecho do cordel Não à cultura do estupro:
“O estupro da menina
Nos convida a pensar:
Será essa a nossa sina?
Temos que nos conformar?
Ou temos que ir pra cima?
Já que a luta nos ensina
Que tudo pode mudar?
A cada onze minutos
Um estupro acontece
E não é um bicho bruto
Que da floresta aparece
Com seu “instinto insano”
E viola um ser humano
Conforme lhe apetece
É “gente civilizada”
Que estuda ou labora
Que cumpre sua jornada
Que vai à missa e chora
Mas estupra uma mulher
Onde e quando bem quer
Pois vê que ninguém dá bola
E pratica a violência
Achando que está certo
Pois compartilha da crença
De que o homem esperto
Não perde a oportunidade
De mostrar virilidade
Pois sempre estará coberto
Afinal nossa cultura
Acha normal explorar
O corpo de uma mulher
Em tudo quanto é lugar
Basta ver as propagandas
E as letras d’algumas bandas
Para ver como se dá […]”
6- Jarid Arraes: Cordelista e feminista é natural de Juazeiro do Norte, ela é íntima da literatura de cordel desde criança. Seu pai e avô são cordelistas e também fazem xilogravuras. Quando começou a produzir os seus, Jarid não teve dúvida de eles também seriam politizados. “Escrevo sobre o que me deixa engasgada”, diz. Mulher, negra e nordestina, ela transforma suas vivências em versos rimados. “Os temas foram surgindo a partir da minha própria experiência, dos preconceitos e assédios que sofro diariamente e assisto o outro sofrer”, revela.
Trecho do cordel Aborto
“Estatísticas não mentem:
Sofre mais a pobre e preta
Já que o dinheiro oferece
Pro aborto uma faceta
Que é pagar nas escondidas
Noutro lugar do planeta.”
7- Dalinha Catunda: Natural de Ipueiras – Ceará, ocupa a cadeira 25 da Associação Brasileira de Literatura de Cordel. Possui vários folhetos publicados com temática social e de suas vivências na terra natal. Além disso, possui 2 blogs: O Cantinho da Dalinda e Cordel de Saia, dividido com a também cordelista e pesquisadora Maria do Rosário
“Deus quando veio ao mundo
Não foi por divertimento
Viajou léguas e léguas
No lombo de um jumento.
E morreu crucificado,
Pra nos livrar do Pecado
E de tanto sofrimento”
8- Ilza Bezerra: Natural do Piauí, é filha de costureira, foi alfabetizada pela mãe, e ao aprender a ler, aproximou-se da literatura de cordel, mergulhando em leituras diárias, as quais fazia para o deleite de seus parentes e vizinhos idosos, lendo os mais variados romances de cordel. A autora adaptou Romeu e Julieta de Shakespeare para o cordel.
Maria das Tiras: uma plural mulher
“Com aquele ar tão cansado
Pelas ruas vai pensando
Sem temer nenhum perigo
Pra muitos sai semeando
O seu discurso espontâneo
De repente vai cantando:
Que acontecerá comigo
Vivendo neste lugar?
Sei que sou uma cidadã
Mas tropeço ao caminhar
Pois tenho fome de tudo
E estou sempre a lamentar!”
9- Maria do Rosário: “Sou Maria do Rosário Boa filha de Bacabal. Ouvindo versos me criei Amigo não leve a mal. Pois saí do Maranhão Com a poesia na mão Trazida da terra natal”.
Trecho de E no país em que tudo é relativo, a vida segue por um fio:
“No país do escracho!
Caros amigos, leitores
Olha só que confusão
Em que suruba danada
Foram meter o povão.
Parece coisa do demo
Tamanha complicação
Estes governos revoltam.
Com sua democracia
Que na miséria do povo
É pura demagogia
Parecendo até cinismo
Falar em cidadania […]”
10- Rosa Régis: Paraibana, do Sítio Jerimum – Jacaraú-PB, residente em Natal–RN, desde 1966. Graduada em Economia (Bel.) e Filosofia (Lic. e Bel.), pela UFRN, Professora de Filosofia no Ensino Médio, pela SEEC-RN. Amante da Poesia, especialmente de Literatura de Cordel. É membro da AEPP – Associação dos Poetas Populares do RN; ANLIC – Academia Norte-Riograndense de Literatura de Cordel (Presidente 2011-2014); ATRN – Academia de Trovas do Rio Grande do Norte; POETAS DEL MUNDO; UBE/RN – União Brasileiras de Escritores no RN e UNICODERN – União dos Cordelistas do Rio Grande do Norte. Primeira colocada: na XIV FESERP 2008; III Prêmio COSERN de Literatura de Cordel – 2009; 1º PRÊMIO SINDSAÚDE-RN – 2009; 2º Prêmio Literário da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel – 2010.
MENSAGEM DE AMOR
“Vendo a imagem de Cristo coroado
Com os espinhos da maldade humana
E vendo dos seus olhos que emana
O imenso Amor que foi, a nós, doado,
Eu lembro com tristeza que o pecado
É algo muito ruim! E eu conclamo
A todos os irmãos, gritando. E chamo:
– Busquemos, ao invés de guerra, Paz!
– Façamos que o amor que ora jaz,
Ressurja! E ao irmão, diga-se: O AMO!!”
11- Josenir Lacerda: É uma cordelista, poetisa e artesão natural do Crato no Ceará. Ocupa a 37 cadeira na Associação Brasileira de Literatura de Cordel e se dedica a cultura popular, folclore e tradições estimulando ainda mais a vasta cultura do Cariri cearense, faz parte de um coletivo de mulheres do Cariri escritoras de cordel.
“[…] Cada ano que passava
Carregava a esperança
O casal desanimava
Sem nascer essa criança
A mulher não fica preocupada
Pelo marido acusada”
12- Izabel Nascimento: Sergipana de Aracaju, aprendeu os primeiros versos de Cordel no ambiente familiar. Filha de pernambucanos, os poetas Cordelistas Pedro Amaro e Ana Santana, que moram em Aracaju há quase 50 anos. A literatura de Cordel, vivenciada no seio familiar, sempre a encantou. Presenciava os encontros de poetas e cantorias em sua casa e aos 7 anos de idade, começou a fazer os primeiros versos, sempre em homenagem aos meus pais, tempo em que já desenvolvia a leitura e a escrita. Aos 13 anos, escreveu o primeiro folheto: “Um falso amor”.
“Uma bela poesia
Quando Deus concede o dia
Faz o astro da energia
No firmamento brilhar
Este ser tão puro e terno
Não precisa de caderno
E escreve no Livro Eterno
No quadrão à beira mar.”
Esperamos que tenham curtido e que esse seja só o primeiro passo para conhecer mais a fundo essa arte e, mais ainda, essas artistas maravilhosas que temos pelo Brasil à fora.
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