“(…) pior ainda é aquele que diz: ‘bom seria não ter nascido, mas, uma vez nascido, transpor o mais depressa possível as portas do Hades.’ Se ele diz isso com plena convicção, por que não se vai desta vida? Pois é livre para fazê-lo, se for realmente esse o seu desejo; mas se o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de coisas que brincadeiras não admitem.
Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.”
(Epicuro)
Por que quis assistir a “13 Reasons Why”?
- Com misto de doçura e confusão no olhar, um adolescente de 15 anos me disse ter se sentido acolhido por aquela narrativa.
- Não quero repetir erros.
- Tem Keiko Agena, a Lane, de “Gilmore Girls”.
- Como Schiller, acredito na educação estética da humanidade.
Por que não consegui terminar de assistir?
- Concordo com Syd Field: “Quando vamos ao cinema, podemos geralmente determinar – consciente ou inconscientemente – se ‘gostamos’ ou ‘não gostamos’ do filme nos primeiros 10 minutos.”
- Não tenho interesse por jogos que invadem a vida das pessoas: não desço para o play.
- Vi a plasticidade de “Stranger Things”, mas não tem Winona Ryder.
- Gosto de diálogos sofisticados sem pretensão de serem sofisticados.
- A direção conduz o espectador pelo pescoço, manipula o olhar e menospreza o necessário distanciamento para que exista reflexão crítica.
Ao perceber o fundamental aspecto do item 9, procuramos dados sobre a repercussão de “13 Reasons Why”. Sim, há mais pessoas buscando informações e ajuda – como é de se esperar pelo poder midiático. No entanto, a depressão unida à espetacularização sobre esse grave assunto podem estimular a repetição do gesto de Hannah Baker.
Por causa do aumento de mortes relacionadas à leitura do romance epistolar, de Goethe, “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (1774), a literatura técnica cunhou a expressão “efeito Werther” para suicídios que seguem uma estrutura modelo, imitam uma referência cultural. Romantizar uma doença é realmente perigoso. Enquanto pessoas saudáveis discutem a riqueza artística da obra, há os que encontram nela exemplos para o fim das próprias dores.
Sem enxergar esse risco, o roteiro e as escolhas de direção sobre as razões de Hannah Baker buscam explicar o injustificável. A psicologia nos ajuda a tratar o que sabemos nos fazer sofrer (em uma espécie de whodunnit). A psicanálise faz a ponte para o inconsciente – aquele lugar em que guardamos, de nós mesmos, os segredos sobre nós mesmos. Há casos cuja “solução” não está na linguagem, mas na medicina, na psiquiatria.
Se Hamlet, de Shakespeare, resiste porque a morte é um país desconhecido, Kaarl Moor, de Schiller, insiste porque sabe que ele é responsável por seu próprio céu e inferno. Mas, “o inferno está cheio de boas intenções” nos alerta o ditado popular. Em sua frivolidade estética, a série “13 Reasons Why” esquece como as tragédias foram produzidas em época de apogeu e de felicidade, sob o espírito do “pessimismo da fortitude” – expressão, de Nietzsche, para definir o treino de transformar veneno em remédio.
Por Carmen Filgueiras
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