Sentada do chão, apenas com suas roupas íntimas e um hobbie, está uma mulher a chorar e a pensar. A chorar sem ter o que dizer, mas tendo que se questionar o porquê disso acontecer, o porquê de doer tanto, o porquê de ser tão cedo, o porquê de ser com ela. Suas lágrimas escorrem pelo rosto já marcado pelos sorrisos e experiências que o tempo lhe proporcionou, mas nada que a fizesse perder sua beleza, exceto as lágrimas.
Essas lágrimas que molham seu rosto são as mesmas que a fazem lembrar do tempo que se passou e que não irá voltar, de um tempo que não poderá ser seguido e agora terá que tomar outro rumo, de imagens, cores e sons que perderam o sentido, foram sugados de sua vida e se apresentam à ela em forma de um vestido preto sobre a cama.
Sua alma almejava levantar-se, enxugar as lágrimas e sentir que nada aconteceu, que o momento de tristeza passou, que a cama não ficará vazia, que seu interior formará uma vida cheia de amor e respeito, e não ficará vazio profundo que sente agora. Ela deseja levantar, abraçar o amor, como fazia todas as manhãs, exceto essa em que ele foi tirado, arrancado de forma brutal e repentina.
Com o pouco de força que lhe resta, ela se levanta e vai pra cama onde deita-se sentindo o cheiro do travesseiro e lembrando o quanto era bom amar e em troca amada ser. Lembra que um dia enxergava um sentido em viver pra deitar naquela cama. Lembra do que passou e o quanto seu coração enchia de alegria e não de dor pela a perda. Respira ofegante, bota a mão sobre o travesseiro onde seus olhos possam alcançar o anel em seu dedo anular. Aquela pedra não significa uma simples pedra e aquele ouro tem mais valor que nenhum dinheiro no mundo pode pagar.
Alguém tenta entrar no quarto, mas a porta está trancada, ela não se move, tenta chama-la, mas se mantem imóvel sem se importar com quem e o porque de estarem lhe chamando. Ela já não se importa com mais nada. Tudo o que quer é ficar ali, sozinha. Ela e a solidão de seus perdidos pensamentos.
Seus olhos se fecham e tenta conter o choro. Aos poucos vai se acalmando, como se seu amor estivesse ali, deitado na cama, segurando sua mão e dizendo que tudo passou, que nada mais importa, que tudo se resume naquele momento dos dois. Só os dois. Em que o céu é mais claro, quando não há tempestades, nem choro, nem o vazio da solidão. Apenas a paz da maneira mais simples e plena.
Mais calma, volta a si, com o rosto um pouco inchado pelo choro, olha ao redor para ver se aquela dor havia passado, mas não. A dor continuava ali, sendo ela suficientemente forte ou não para encará-la e superar. Mais uma vez, seu olhar volta-se para o vestido preto sobre a cama, pensando se realmente deveria vesti-lo, se realmente precisaria passar por isso, se aguentaria mais horas, dias, meses e talvez até anos da escuridão que enxergava diante de seus olhos.
Lentamente, ela se levanta, enxuga as suas lágrimas e começa a se arrumar, com o intuito de se despedir do amor que se foi. Em frente ao espelho, olhando o quão abatido está seu rosto, começa a arrumar seus cabelos, passando a escova por entre os fios, lentamente, como fazia todas as noites, enquanto ele olhava admirando-a.
Pega sua maquiagem e começar a se pintar, sem exageros, como sempre fez, como a mulher que sentia ser. Ela volta-se para acama e observa o vestido mais uma vez. Vai vai até ele, toca seu tecido, como quem toca uma relíquia, sentindo a textura e a sensação que ele lhe passava. Algo nunca usado e que em sua mente deveria se manter assim. Vai até seu guarda-roupa, passa a mão pelas roupas penduradas, e perdido do meio de tantas peças, escolhe o vestido que lhe marcava. Escolhe um vestido vermelho, que mesmo após anos sem usá-lo, cabe no seu corpo como se nunca o tivesse despido, como se ele fosse feito exclusivamente pra ela e pra mais ninguém. O vestido que usou em um dos momentos mais felizes da sua vida é o mesmo que usará nesse que se tornou, até agora, o mais triste e solitário.
Ela entra sozinha numa capela, vê alguns rostos conhecidos, mas que agora pouco importam seu reconhecimento. O mais importante é pálido. Ela o olha deitado onde o padre faz um discurso na tentativa de reconfortar quem ali está, mas ela caminha sozinha, em direção ao altar, como nunca esteve e se sentiu antes. Alguns olhares mais conservadores e assustados, a encaravam sem entenderem o motivo de um vestido vermelho em tal ocasião. Mas são exatamente esses olhares que a fizeram lembrar a primeira e única vez que tinha usado o vestido vermelho.
Era noite e estavam sentados, jantado, como um dia qualquer. Ela com seu vestido vermelho e ele com um blazer escuro sobre uma camisa clara. Conversavam, sorriam e eram felizes sem pensar em justificativas para o amanhã. Foi então que ele mexeu no bolso tirando uma caixinha, que abriu e mostrou à ela um anel, o mesmo que permanece em seu dedo.
Seu coração disparou, seu sorriso era como uma criança tímida. Aquele era o momento em que seu amor seria eterno com juras e promessas tão sinceras que não se ouve mais falar hoje em dia. Ela sorriu e estendeu sua mão esquerda em sinal de aceitação. Ele colocou o anel lentamente como um filme em câmera lenta. Ao fundo, um grupo de violonistas solavam canções românticas.
O homem, que estava sentado a sua frente, se levantou e a convidou para dançar. Não havia ninguém dançando e, mesmo sem graça, ela foi, tomada pelo o encanto do momento. Em passos lentos e corpos colados, eles se deslocavam ao ritmo daquela bela musica que estava sendo tocada. Era um momento único. Um momento real, sem mentiras, sem intrigas, sem vergonha de mostrar o quanto é ser amado.
Estática, perante o amado adormecido, em que nem um beijo poderia salvá-lo desse destino, ela o olha como olhos de candura, o mesmo olhar que trocaram durante a dança naquela noite, e mais uma vez as lembranças tomam conta de sua cabeça.
Aquele vestido se tornou um simbolo pessoal que só ela e ele poderiam entender. O mesmo vestido que foi usado para construir um sonho agora é usado durante a demolição do mesmo. O sonho de construírem o que queriam e o que gostariam se ser ao longo do tempo, em que apenas ele, o tempo, e mais ninguém poderia separa-los. O que queria era que fossem embora juntos, não um de cada vez.
As lágrimas voltam a escorrer pelo seu rosto, assim como na noite que tomou seus pensamentos, mas elas perderam a alegria. Ela se inclina em direção ao rosto do amado e o beija, como naquela bela noite. Um beijo de despedida e não de um começo. Ela para, levemente ergue seu tronco, e olha o rosto dele pela última vez. Lembra-se de seu sorriso, que a encantava tanto, passa a mão pelo rosto dele e sussurra duas palavras. Ela fecha seus olhos e respira fundo. Termina de erguer seu corpo e vira-se em direção a saída. Começa a andar calmamente, sozinha, apenas ela e a sua dor. Sozinha, apenas ela e sua dor, dentro de um vestido vermelho.
[divider]Nota do Autor[/divider]
Esse conto que acabou de ler, faz parte da série “7/Entrelinhas” que comecei escrever aos 18 anos. Os quatro primeiros contos foram desenvolvidos no mesmo ano e os três últimos ganharam forma dois anos mais tarde. Seis deles são sobre pessoas de diferentes idades e classes sociais, em algum momento específico de suas vidas, enquanto o sétimo e ultimo é a respeito de um lugar que entrelaça as histórias dos personagens apresentados nos anteriores.
A narrativa descritiva, que flui sobre a construção de tais personas e seus ‘particulares’ momentos, seguem uma estrutura intimista para a futura exposição de algo maior, que venho preparando aos poucos. Ao voltar à esse projeto, me deparei com a enorme vontade de compartilha-la com o maior números de pessoas e, por isso, resolvi publica-los na internet, através da coluna ‘Literando’ da Woo! Magazine.
Espero que tenham aproveitado a leitura e tenham sido tocados por esse breve texto, da mesmo maneira que me senti afetado por ele quando o escrevi. A cada dois meses, sempre na última semana do mês, estarei lançando a continuação, não linear, dos contos para a apreciação de todos. O próximo, “Olhos Azuis”, estará disponível no dia 31 de março.
Com muito amor (em vermelho)…
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