No mês que marca os 60 anos do golpe sobre a democracia brasileira, “Roda Viva” se mantém atemporal entre os clássicos do teatro brasileiro
Chico Buarque é um dos grandes gênios da música. Mas a obra do cantor e compositor também conquistou um espaço de destaque na dramaturgia. Isto porque, Chico escreveu diversos espetáculos teatrais de sucesso, entre eles, “Roda Viva” de 1968, um dos grandes clássicos do teatro brasileiro.
O ano de 1968 marcou o início do período histórico brasileiro conhecido como “os anos de chumbo“, no qual a Ditadura Civil-Militar adotou severas medidas de censura, a partir do Ato Institucional n°5 (AI-5). A classe artística passa a sofrer diversos ataques e perseguições e ainda assim, Chico Buarque estreia sua primeira peça teatral, a polêmica “Roda Viva”, escrita um ano antes.
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Com direção de Zé Celso, a peça conta em dois atos a história de ascensão e queda do cantor Benedito Silva, que passou a adotar o nome de Ben Silver. O artista conquistou fama e sucesso, mas quando a decadência chega, comente suicídio. O propósito inicial era estimular a reflexão sobre o consumo da mídia e entretenimento, um dilema que o próprio Chico Buarque enfrentava à época como músico. Além disso, é uma crítica aberta à indústria fonográfica. No entanto, o posicionamento político de Chico Buarque aliado à visão transgressora de Zé Celso Martinez, acrescentou ao enredo metáforas agressivas com a intenção de chocar o público para os problemas que cercavam o país na época.
“Roda Viva” e o teatro agressivo
Outra característica do teatro de Zé Celso é o envolvimento do público com a cena. Em “Roda Viva” esse recurso é radicalizado e envolve cenas grotescas e viscerais. Em um dos pontos mais polêmicos do espetáculo, o elenco devorava um fígado de boi cru, que muitas vezes respingava sangue nos espectadores da primeira fila. A forma como os atores se dirigiam à plateia, às vezes com insultos e provocações, impactou negativamente a crítica de um modo geral. Sem a relevância histórica que tem hoje, intelectuais da época se viram perdidos e incapazes de lidar com tanta transgressão. Anatol Rosenfeld, inclusive, usa a expressão teatro agressivo para classificar a peça.
A primeira temporada aconteceu antes da promulgação do AI-5, no Rio de Janeiro, e foi um sucesso. Ainda assim, um grupo conservador invade o Teatro Princesa Isabel, destrói parte do cenário e agride os atores. No elenco estavam Marieta Severo, Heleno Prestes e Antônio Pedro, nos papeis principais. A peça segue para São Paulo e se inicia a perseguição dos censores: um grupo de vinte pessoas ligadas ao Comando de Caça aos Comunistas invadiu o Teatro Ruth Escobar, atacou os artistas, destruiu o cenário e parte da estrutura do teatro. Em setembro do mesmo ano a peça estreou no Rio Grande do Sul, com a mesma violência, até que o espetáculo foi finalmente proibido pela censura. O espetáculo só voltaria a ser encenado novamente 50 anos depois, em montagem atualizada pelo Oficina em 2018 e 2019.
Música-tema atravessa gerações
Mas a censura ao espetáculo não conseguiu calar a música-tema da peça. A canção homônima ficou em terceiro lugar no III Festival de Música Popular Brasileira, ocorrido entre setembro e outubro do ano de 1967, ano em que foi lançada no álbum “Chico Buarque de Hollanda – Volume 3”. Segundo a revista Rolling Stone Brasil, “Roda Vida” ocupa a posição 26 entre as maiores músicas brasileiras de todos os tempos. A música foi regravada algumas vezes, com destaque para uma versão moderna de 2001 com a cantora Anna Lu, e em 2021 com o grupo Francisco, El Hombre. No mês que marca os 60 anos do golpe, falar sobre “Roda Viva” é uma forma de homenagear os artistas que lutaram e ainda lutam por liberdade de expressão.
Imagem Destacada: Reprodução/Memorial da Democracia
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