Delicadeza, amor ao cinema, e cinema queer armênio-soviético em “A Cor da Romã”
Masterpiece do cinema soviético, “A Cor das Romãs” ainda impressiona pela imponência quase seis décadas após seu lançamento. Seja na sua recorrente referência na cultura pop — como em “911”, de Lady Gaga, ou “Álibi”, de Sevdaliza — e como imortal da cultura armênia, revisitamos elementos que tornam esse trabalho um must see para cinéfilos ou aqueles que gostam de uma história bem contada.
“Nós procurávamos refúgio uns nos outros”
“Eu gostaria de ver qualquer poder do mundo destruir esta raça, esta pequena tribo de pessoas sem importância, cuja história acabou, cujas guerras foram todas lutadas e perdidas, cujas estruturas desmoronaram, cuja literatura não é lida, cuja música não é ouvida, cujas orações não são mais proferidas. Vá em frente, destrua esta raça. Digamos que é 1915 [data marco do genocídio armênio]. Há guerra no mundo. Destrua a Armênia. Veja se você consegue. Mande-os de suas casas ao deserto. Não deixe que eles tenham nem pão nem água. Queime suas casas e suas igrejas. Veja se eles não vão viver de novo. Veja se eles não vão rir de novo. Veja se a raça não viverá novamente quando dois deles se encontrarem em uma cervejaria, vinte anos depois, e rir, e falar em sua língua. Vá em frente, veja se você consegue fazer qualquer coisa a respeito. Veja se você pode impedi-los de zombar das grandes ideias do mundo, seus filhos da puta, um bando de armênios falando no mundo, vá em frente e tente destruí-los.”
Willian Saroyan, 1935, “O Armênio e o Armênio” (em “Inhale, Exhale”), tradução própria
Poucas são as ocasiões ainda no século XXI que podemos, após adultos, mergulhar para um universo completamente novo e desconhecido, de forma tão pueril quanto em encantamento estético, e assistir “A Cor da Romã” é uma delas. Um exercício de imaginação, fora do que até os mais cinéfilos costumam estar longe de ver.
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Traduzido também como “A Cor das Romãs” (no plural, porque Nrran [‘Նռան‘] é ambíguo), o longa conta a história do poeta armênio do século XVIII Sayat’-Nova, título que o filme receberia antes de críticas dos censores soviéticos. Nascido na Geórgia, mas de família armênia étnica — tal como o diretor — alguns paralelos costumam ser estabelecidos entre a vida do trovador e do cineasta Sergei P’arajanov.
Este não é um filme adjetivado como poético por mero capricho: Sergei decide biografar Sayat’-Nova como se seu filme fosse, de fato, um poema. Espere ações repetitivas como fechamento de estrofes, um mundo que se move como em uma caixa de música, simbolismo transbordando em cada detalhe — levando a ideia da “Arma de Tchekov” ao limite — cenas montadas como cantos/capítulos, etc.
Pegar todas as referências em uma assistida é humanamente impossível. Porém, mais que simplesmente “entender”, este, enquanto poema, é um filme para ser sentido. Para além de alguma pretensão “exótica” do cinema de um pequeno país do leste-europeu, a narrativa do trovador, cineasta, e do povo armênio se entrelaçam para retratar a experiência humana através do muito particular.
“Então vá, e procure o teu refúgio de amor etéreo”
As cortinas se abrem e a primeira coisa que o telespectador vê são códices antigos, seguidos por imagens aparentemente desconexas, mas profundamente ligados à cultura armênia. As romãs, símbolo do povo, sangram seu suco em uma tema e formam, depois com a imagem de uma faca, uma silhueta — atribuída à da própria Armênia.
Essa é apenas um dos intermináveis simbolismos do filme e, como comentado, ao que ter conhecimento prévio e/ou separar um tempo para ler sobre a história e a cultura do país ajudem na experiência de (re)descobrir a obra a cada retorno, há uma beleza sublime em acompanhá-la, também, com os olhos de espectador leigo, que se permite, contudo, a conhecer o novo e o belo.
Entre diferentes leituras que possam ser feitas a seu respeito, chamamos atenção às representações de gênero e do erótico. Nesse microcosmos da primeira nação povo cristão do mundo, porém ilhada meio a outras fés e cercado por grandes impérios, vemos o mundano, as crenças e rituais pela janela nada discreta.
Estrela da produção, a atriz georgiana Sofiko Chiaureli interpreta no total cinco papéis, femininos e masculinos, incluindo o poeta e sua amante, no longa o jovem Sayat’-Nova é representado descobrindo os “dois mundos” na famosa cena dos banhos; como nota biográfica, o próprio P’arajanov, bissexual, fora encarcerado devido a sua sexualidade. Essa postura nada ortodoxa no cinema russo geraria críticas, mas não foi o alvo dos censores, que criticaram a plétora de imagética religiosa.
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Se o figurino ou os belos cenários, como tirados de um mundo fantástico, mas não completamente fictício, não bastassem, seu clímax, com a morte do poeta, é uma das grandes cenas de pura devoção e amor à arte em seu melhor estado: Sayat’-Nova não simplesmente morre, seu coração explode e um vaso de seu próprio sangue se derrama sobre ele, até ser levado pelo anjo da morte — tudo metaforicamente.
“O pão que me déreis era belo, mas a terra era mais. Deixe-me ir. Tornarei-me terra. Cansado. Estou cansado.”
Último intertítulo de ‘A Cor das Romãs’, tradução nossa.
“A Cor da Romã”. Imagem Destacada: Divulgação/MUBI (via TMDB)
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