“O Sol por Testemunha” é um clássico para ver e rever
No cinema e na televisão de língua inglesa, Tom Ripley já foi interpretado por Matt Damon, John Malkovich e Andrew Scott. Contudo, apesar do talento e das performances admiráveis desses atores, nenhum deles conseguiu superar Alain Delon, que deu vida ao célebre personagem criado por Patricia Highsmith em “O Sol por Testemunha”, dirigido por René Clément em 1960. Delon, portanto, pode ser considerado o Ripley definitivo, mesmo após sessenta e quatro anos da estreia do filme e diante da possibilidade de futuras adaptações.
Mas o que Delon possui que os outros não têm, além de uma beleza inigualável? Talvez a ingenuidade que imprime ao personagem: mesmo cometendo diversos crimes, Ripley demonstra a convicção de que poderá viver feliz ao lado de uma bela esposa, tomando sol na praia e gastando sua fortuna obtida de forma ilícita. Seu Ripley é, antes de tudo, um sonhador cujas ambições ultrapassam suas limitações financeiras. Por isso, ele almeja apropriar-se da vida e da namorada do milionário mimado Philippe Greenleaf (Maurice Ronet), e para alcançar seus objetivos, emprega todos os truques que domina. O carisma e o magnetismo de Delon fazem com que o público torça por Ripley, ainda mais porque ele manipula uma elite que o enxerga como inferior. Esse viés social emerge sutilmente, mas serve para que a cumplicidade do espectador seja alcançada, mesmo diante dos atos moralmente condenáveis vistos na tela.
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Clément conduz habilmente os sentimentos do espectador, aprisionando-o em uma inquietante dualidade: por um lado, seu protagonista exala um aspecto angelical; por outro, manifesta uma natureza pérfida. Exemplo disso são os olhos azuis de Delon, frequentemente capturados em close-ups intensos, que conferem a Ripley uma aura quase celestial, contrastando com o objeto igualmente azul utilizado para perpetrar um assassinato e a camisa da mesma tonalidade vestida por uma de suas vítimas, símbolos de sua frieza e crueldade. O azul do céu no horizonte, realçado pelas magníficas paisagens litorâneas da costa italiana, reforça a impressão de que aqueles personagens estão confinados em uma espécie de redoma sob o domínio de um anjo da morte.
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Contudo, vale destacar que “O Sol por Testemunha”, embora centrado no estudo psicológico de seu protagonista, é também uma obra meticulosamente construída com base no roteiro elaborado por Clément e Paul Gégauff. As artimanhas de Ripley para enganar as pessoas e escapar da prisão são fascinantes de acompanhar, e a ausência das tecnologias modernas intensifica a experiência. Há falsificação de assinaturas, esquemas para roubar dinheiro em espécie de um banco e um tenso jogo de gato e rato com a polícia. Essa atmosfera, digamos, analógica, é parte do charme do cinema clássico, ainda imune às interferências digitais. Até mesmo a fotografia se beneficia: a granulação da película acrescenta textura à imagem, quase como se fosse algo tangível. As cores são mais vibrantes, especialmente o amarelo constante do sol, o que dialoga perfeitamente com o título original da obra: “Plein Soleil”. Quem vos escreve teve o privilégio de assistir ao filme na tela grande, uma experiência que amplificou as sensações proporcionadas por um tipo de cinema que, lamentavelmente, já não existe mais.
Imagem em destaque: Divulgação
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